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terça-feira, 25 de março de 2008

Um “galo” centenário

O futebol brasileiro está em festa. Hoje, o Clube Atlético Mineiro, o “Galo Carijó” comemora 100 anos. E amanhã, 21h45min, no Mineirão, faz um jogo festivo contra o Penãrol de Montevidéu. O clube foi fundado em 25 de março de 1908 por um grupo de 22 estudantes “peladeiros”, que matavam aulas para chutarem uma bola de meia no Parque Municipal, em Belo Horizonte. Foi em meio a uma dessas “peladas” que surgiu a idéia de fundar um clube organizado. Assim nasceu o Atlético Mineiro Futebol Clube, primeiro nome do “Galo”. A mudança para Clube Atlético Mineiro aconteceu quatro anos depois.

Em 21 de março de 1909 aconteceu o primeiro jogo e a primeira vitória, 3 X 0 sobre o Sport Club Futebol, no gramado deste. Aníbal Machado, que mais tarde se consagraria como escritor, marcou o primeiro gol da história do Atlético. Dias depois, novo triunfo sobre o mesmo adversário, por 2 X 0 e um terceiro, por 4 X 0. Com a humilhação o Sport fechou e aderiu ao novo clube. A primeira derrota não tardou, uma goleada de 5 X 1 ante o Grambery, de Juiz de Fora. Na revanche, novo revés, 3 X 1. A vingança veio dias depois, um massacre por 7 X 0. Os torcedores, que já eram muitos, passaram a chamar o time de “Vingador”, o que explica a citação no hino oficial. O hino do Atlético foi escrito em 1969 por Vicente Mota.

O primeiro campo se localizava na Rua Guajajaras, entre São Paulo e Curitiba. Na primeira noite, as traves foram roubadas e Margival Mendes Leal, o primeiro presidente, tratou de procurar outro lugar para o campo. Conseguiu um bem central, na Avenida Paraopeba (hoje Augusto de Lima), mas este também foi logo requisitado pelo Governo para a construção da Secretaria da Saúde. Então o "Galo" passou a ocupar as velhas instalações do extinto Sport, junto à Praça da Estação até 1921, quando o Governo doou ao Atlético um quarteirão inteiro na Avenida Olegário Maciel para compensar o que havia tomado. Ali seria construído o estádio Antônio Carlos.

Em 1914, a Liga Mineira de Esportes promoveu um torneio, que é considerado o primeiro campeonato estadual. O campeão foi o Clube Atlético Mineiro, que ganhou o “Troféu Bueno Brandão”, o primeiro de sua história. No ano seguinte a competição se repetiu e foi considerada oficial e o Atlético repetiu a conquista. Depois, veio um longo jejum. O América colecionou títulos, 10 seguidos. Somente em 1926, o Atlético voltou a ser campeão, repartindo o título com o Cruzeiro. Repetiu o feito em 1927. E com gostinho especial: uma goleada de 9 X 2, sobre o Cruzeiro, ainda Palestra.

Em 1927 0 “Galo” precisava vencer o Vila Nova, em Nova Lima, para ser campeão. Um empate dava o título ao Palestra. Um jogo histórico. No primeiro tempo o Vila vencia por 4 X 1 e Mário de Castro era alvo de gozações. Parecia tudo perdido. Veio o segundo tempo, e com ele a impressionante reação: em 15 minutos Mário de Castro fez quatro gols, calando a torcida. No final, uma vitória heróica de 5 X 4 e a taça como prêmio.

Ninguém mais segurava o “Galo”, que clamava por um estádio próprio. Em 1928, por iniciativa do presidente Leandro Castilho de Moura, o sonho começou a virar realidade. Em 30 de maio de 1929 foi inaugurado o Estádio Presidente Antônio Carlos, para 5.000 pessoas. Ganhou o apelido de “Gigante", por estar dentro de uma cidade com pouco mais de 40 mil habitantes.

Foi uma tarde memorável. O próprio homenageado, Antônio Carlos, estava lá. O jogo inaugural teve o Sport Clube Corinthians, campeão paulista, como convidado. O Atlético Mineiro venceu por 4 X 2. Valeriano, jogador do Corinthians fez o primeiro gol no estádio. E Mário de Castro o destaque do time, o primeiro do Atlético. Ele marcou 195 gols com a camisa atleticana e foi convocado em 1929 para Seleção Brasileira. Por muito tempo o "Alçapão" foi conservado apenas em respeito à tradição, mas no início dos anos 70 ele foi destruído. Hoje no local está construído o Diamond Mall, shopping center mais luxuoso de Minas Gerais.

Nesse mesmo ano o Atlético fez o primeiro jogo internacional de um clube mineiro, derrotando por 3 X 1 o então campeão português, Victória, de Setúbal, no recém inaugurado Estádio Antônio Carlos. Em 1930, Jules Rimet, fundador e presidente da FIFA visitou o velho Estádio, também chamado de Lourdes e viu pela primeira vez um jogo de futebol à noite. De casa nova, o clube não teve dificuldade para chegar ao bicampeonato mineiro, em 1931 e 1932.

No início dos anos 30, o cartunista Mangabeira batizou cada time mineiro com um bicho. Para o Atlético coube o "Galo Carijó", preto e branco, um galo de briga forte e vingador. Foi sem dúvida o bicho de maior sucesso entre todos, adotado pela torcida como símbolo da paixão alvinegra.

Já consolidado como um grande clube, o Atlético Mineiro partiu para pulos mais altos. Em 1937, a Federação Brasileira de Futebol (FBF), depois CBD e CBF, organizou o torneio dos campeões estaduais, com a Portuguesa de Desportos (SP), Fluminense (RJ), Rio Branco (ES) e Atlético (MG). Em campanha impecável o clube mineiro sagrou-se o primeiro “Campeão dos Campeões do Brasil”. Repetiu o feito em 1958.

Em 1938, com Guará, um dos maiores jogadores a vestir a camisa preta e branca, Zezé Procópio e Alfredo Bernadinho, vindos do Vila Nova, o “Galo” passeou no campeonato mineiro, papando o título invicto. Ganhou de novo em 1941 e 1942 (11 jogos e 11 vitórias). Encerrou a década de 40, ainda com os títulos de 1946, 1947, 1949 e 1950.

Antigos torcedores consideram o time da segunda metade da década de 40 como o melhor de todos os tempos. A linha de frente tinha Lucas Miranda, Carlyle, Nívio e Lêro, e fez 250 gols. O time contava ainda com a firmeza de Kafunga, o jogador que mais vestiu a camisa atleticana (por 19 anos) e idolatrado como o melhor goleiro do clube em todos os tempos.

Os "Campeões do Gelo"

Em 1950 o Atlético ganhou o título de “Campeão do Gelo”, imortalizado no hino oficial, durante uma excursão a Europa, entre 2 de novembro a 7 de dezembro. Até o Campeonato Mineiro parou para a viagem acontecer. E nos gramados gelados da Alemanha a equipe conquistou o Torneio de Inverno, superando adversários da França, Bélgica, Alemanha e Áustria.

Se dentro de campo o time não tomou conhecimento da frieza do gelo, fora levou um calote do jornalista Eld Kalteneker, empresário que acertou a excursão de 8 jogos, quatro vitórias, 2 empates e duas derrotas. Ele passou a mão no dinheiro do torneio e de outras quatro partidas, e desapareceu. Sem dinheiro e adversários, e mais de um mês longe de casa, o chefe da delegação, Domingos D' Ângelo, teve de pedir auxílio ao clube no Brasil, para a viagem de volta. O presidente José Cabral fez das “tripas, coração”, para arranjar o dinheiro. As passagens foram compradas por etapas e os jogadores voltaram em pequenos grupos.

Nos anos 50, diziam que um jogador do Galo tinha parte com o diabo. Ubaldo Miranda era um ídolo humilde. Raçudo, boa gente, risonho, o crioulo era um assombro. Não havia bola perdida, o sujeito era danado para chutar uma bola em cima da linha de fundo e fazê-la chegar à rede. A torcida acreditava serem gols espíritas. Foram 140 gols em 7 anos. Ubaldo também foi o único jogador na história do Atlético a ser carregado, de calção e chuteira, do Estádio Independência até a Praça 7, no centro da cidade. Foram 5 km e meio percorridos nos ombros da massa !

Passado o susto ada excursão, o Atlético continuou o caminho de vitórias, conquistando o primeiro pentacampeonato (de 1952 a 1956) e sendo campeão em 1958. A década de 60 não foi boa, marcando a evolução do E.C. Cruzeiro, de Tostão e outras feras. Como consolo o bicampeonato mineiro, em 1962 e 1963, e uma histórica vitória de 2 X 1, em 3 de setembro de 1969, contra a Seleção Brasileira, de João Saldanha, que depois conquistaria o tricampeonato mundial no México. Até hoje o Atlético é o único clube de futebol a derrotar o scratch “canarinho”.

A vinda de Telê Santana, que treinou o time por seis anos (1970 a 1976), mudou tudo. Foi uma fase esplêndida, colecionando títulos. A equipe de 1970 tinha craques como Dario, Lôla, Vantuir e Grapete, e quebrou uma hegemonia de cinco anos do Cruzeiro. Ganhou a taça Belo Horizonte e sagrou-se o primeiro Campeão Brasileiro, o título mais importante da história do clube, superando São Paulo e Botafogo num triangular final.

Com Telê no comando foi bicampeão mineiro e tricampeão da Taça Belo Horizonte, bicampeão da Taça Minas Gerais (1975 e 1976) e campeão mineiro de 1976, quando surgiu Reinaldo, o mais importante jogador da vida do clube. Com ele, o Atlético, conquistou o inédito hexa-campeonato mineiro (de 1978 a 1983), e foi finalista do Campeonato Brasileiro por duas vezes. Em 1977 contra o São Paulo, e em 1980 contra o Flamengo, perdendo ambas. Nessa fase de ouro, além de Reinaldo, brilharam Cerezo, Éder, Luizinho, Paulo Isidoro, João Leite, Nelinho e Palhinha. Na década de 80 ganhou sete dos 10 títulos disputados no Estado.

Mas o grande time estava acabando. Reinaldo, contundido, encerrou a carreira aos 27 anos. Toninho Cerezo foi para a equipe do Roma. Éder Aleixo, para a Internacional de Limeira e Nelinho, pendurou as chuteiras. Com uma equipe renovada o Atlético conquistou os torneios de Amsterdã, na Holanda, e de Cadiz, na Espanha.

Em 1982, a revista Placar pediu que trinta torcedores, jogadores, cartolas e jornalistas escolhessem o Atlético Mineiro de todos os tempos. O time escolhido foi este: Kafunga, Mexicano, Murilo, Luizinho, Zé do Monte e Haroldo ; Lucas, Carlyle, Reinaldo, Toninho Cerezo e Éder Aleixo.

O Atlético teve dois escudos em sua história. O primeiro, utilizado nas primeiras décadas do clube, era oval e tinha as inicias CAM (Clube Atlético Mineiro). A partir da década de 30, o distintivo sofreu alterações até chegar ao formato atual. A estrela amarela, em cima do símbolo, representa o título do 1º Campeonato Brasileiro, conquistado pelo "Galo" em 1971.

Nos anos 90, apenas três títulos mineiros, 1991, 1995 e 1999. Fora de Minas, a Copa Conmebol (1992 e 1997), a Copa Millenium, em Miami, e a Copa dos Três Continentes, no Vietnã. Em 1999 chegou de novo a uma final do Campeonato Brasileiro, depois de 19 anos, perdendo para o Corinthians. Em 2000, como vice-campeão brasileiro jogou a Copa Libertadores e foi eliminado pelo mesmo Corinthians.

O Atlético foi absoluto no século 20, em Minas Gerais. Mas o novo milênio começou mal. Grito de campeão, só em 2007, com a conquista estadual. O pior foi no cenário nacional, a queda inédita para a Série B do Campeonato Brasileiro, uma desgraça anunciada. Em 2004, escapou na última rodada, com uma vitória sobre o São Caetano, no Mineirão, por 3 x 0. Em 2005, não teve jeito.

Foi só um ano no “inferno”. Com a força da torcida o “Galo” foi campeão da Série B, com a maior média de público no ano, entre todos os times do Brasil, voltando à elite do futebol brasileiro. No retorno, em 2007, garantiu uma vaga na Copa Sul-Americana de 2008. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
Chegada a Belo Horizonte dos "Campeões do Gelo", em dezembro de 1950 (Foto: www.netgalo.com.br)