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segunda-feira, 5 de maio de 2008

O Jogo da vida e da morte (Final)

Já contei sobre estádios de futebol que viraram cemitérios. Mas de cemitérios que viraram estádios, alguém já ouviu falar? Pelo menos de um, eu fiquei sabendo. O site da BBC, de Londres, tempos atrás divulgou um fato bastante polêmico ocorrido na Bielo-Rússia. O FK Neman Grodno, time que disputa a primeira divisão daquele país, pretende expandir seu estádio para se adequar às exigências da Uefa, para que a equipe tenha condições de disputar as copas européias.

O problema é que o estádio do clube, construído nos anos 50 e que já utilizava uma parte do cemitério velho de quase 300 anos, precisa ser ampliado. E para isso terá de avançar por toda a área restante do cemitério, que está desativado desde 1950. A maioria dos mortos ali sepultados são judeus, vítimas do Holocausto, na Segunda Guerra Mundial.

As escavações já começaram, inclusive com a retirada de várias ossadas encontradas em valas coletivas. Os judeus estão revoltados com o que consideram um desrespeito ao seu povo. Ainda restam em Grodno poucos parentes dos mortos, mas que se sentem atingidos com o projeto do clube da cidade.

A polêmica está aberta e já chegou aos dirigentes da Fifa, que alegam a impossibilidade de intervir, pois se trata de um problema dentro de um país soberano, a Bielo-Rússia. Agora, a comunidade judaica apelou a Uefa na busca de um possível acordo entre as partes.

Pelé, o rei do futebol sabe que será eterno apenas na história do esporte. Por isso já tratou de garantir um bom lugar para seu descanso eterno, quando chegar a inevitável hora. Foi notícia no mundo todo quando adquiriu um espaço na Memorial Necrópole Ecumênica, o cemitério vertical mais alto do mundo, segundo o Guiness Book. São quatro prédios, três deles, com 14 andares. O recorde será maior quando estiver concluído o novo edifício de 32 pavimentos, o mais alto da Baixada Santista.

Pelé garante que não tem medo da morte, tanto que compôs uma música que fala dela: “Que eu vou morrer eu sei, tô esperando a minha vez. A ciência não explica, a religião quer explicar para onde a morte vai me levar. Viajo de avião pelo mundo todo. Não tenho medo algum. Mas isso ainda vai demorar muito. E tem outra coisa. O Pelé não vai ser sepultado na Memorial. Ele é imortal, eterno. Quem vai ser sepultado é o Edson”. O jazigo escolhido por Pelé fica no 9º andar e com vista para o Estádio de Vila Belmiro. Vai servir também para abrigar os restos mortais de seu pai, sua tia e sua avó, que serão transferidos do cemitério do Saboó, onde estão sepultados.

A Memorial é realmente um cemitério para lá de moderno. Abriga a morte e patrocina a vida. São vários os atletas que usam a marca da empresa, entre muitas modalidades esportivas, tudo com o objetivo de divulgar a cidade de Santos. Entre os atletas de ponta estão Valmir Nunes, bicampeão mundial de ultramaratona (100 km) e recordista das Américas em provas de 24 horas; o argentino radicado em Santos, Oscar Galindez, campeão do Ironman Brasil, hexacampeão do Troféu Brasil de Triathlon e pentacampeão do Triathlon Internacional de Santos. E a equipe de ciclismo número 1 do ranking nacional nos últimos três anos, que conta com estrelas como Hernandes Quadri Júnior e Márcio May, representantes brasileiros em duas olimpíadas.

Tem também aqueles que descobrem outras utilidades para os cemitérios, além dos sepultamentos. Recentemente o goleiro Rafael Córdova, do Vitória da Bahia, vestido de viúvo, terno preto e com uma rosa vermelha no bolso do paletó foi fotografado em poses sensuais pela fotógrafa pernambucana Josefa Coimbra, em pleno cemitério “Campo Santo”, em Salvador. As fotografias foram encomendadas por algumas revistas, que andam atrás de imagens do jogador de futebol, que tem olhos verdes e 1m95 de altura.

Alguém já ouviu falar da existência de pessoas "viciadas" em velórios? Pode ser estranho e até mórbido, mas existem. O trabalhador autônomo Luis Roberto Squaris, um paulista de 42 anos, morador em Batatais, no interior de São Paulo, garante que freqüenta velórios há mais de 20 anos, desde o falecimento de seu pai, em 1983. Ele costuma levantar cedo, e a primeira coisa que faz é ligar o rádio para saber quem morreu. Caso não consiga nenhuma informação pelas emissoras locais, telefona para as funerárias.

No Velório São Vicente, único de Batatais, Squaris é presença certa, não importa se o morto seja conhecido, ou não. É um freqüentador tão assíduo, que já ficou amigo de todos os agentes funerários e do dono do bar do velório. Mas quando morrer, não quer ser velado no local tradicional. O "viciado" em velórios já escolheu outro local, o campo do time Batatais Futebol Clube, de quem é fervoroso torcedor.

No início do ano estive no Sul e aproveitei para fazer uma visita aos túmulos de alguns familiares falecidos, no cemitério de Pelotas (RS). E me surpreendi ao ver muitas sepulturas com escudos de clubes de futebol, principalmente do G.E. Brasil, o time mais popular de lá. Mas também encontrei do E.C. Pelotas, G.A. Farroupilha, S.C. Internacional, Grêmio Portoalegrense e até do C.R. Flamengo, do Rio de Janeiro.

Não sei como isso teve início, mas o rubro-negro carioca bem que pode ter sido a fonte inspiradora, pois diz em seu hino: “uma vez Flamengo, Flamengo até morrer”. Achei interessante, pois de alguma forma dá um tom mais ameno a um ambiente cheio de saudade. E resolve o problema do torcedor que ainda não conta com um cemitério próprio de seu clube de coração.

Em Manaus, a falta de locais mais apropriados para jogar futebol faz com que de tempos em tempos um grupo de rapazes use o cemitério de São Francisco, no Morro da Liberdade, como campo para suas “peladas” de fim de tarde. Tudo lá é improvisado, as traves são dois túmulos e o campo é a parte do cemitério onde há grama.

A Secretaria Municipal de Limpeza e Serviços Públicos da prefeitura de Manaus, responsável pela conservação dos cemitérios da cidade, está atenta ao problema e tem feito esforços para que o local seja respeitado. A garotada desaparece por um tempo, quando a coisa aperta. Mas quando menos se espera, lá estão eles de volta. (Texto e pesquisa: Nilo Dias)
Capa do jornal "Amazonas em Tempo", mostra garotos jogando futebol dentro de um cemitério.