Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Pobres milionários (2)

Ainda em 1974, o mineiro José Santana da Silveira, maquinista da siderúrgica Belgo-Mineira apostou 2 cruzeiros na Loteria Esportiva e embolsou o equivalente a 2,5 milhões de dólares, uma montanha de dinheiro. Nos primeiros dias ele tratou de ajudar a família, comprando uma bonita casa, um terreno e uma fazenda para criação de gado. Mas o dinheiro que sobrou, foi mal aplicado. Emprestou para pessoas que além de não o pagarem, fugiram da cidade.

Isso contribuiu para que adoecesse, vindo a falecer ao início de 1999. A viúva, dona Teresinha herdou R$ 15 mil numa caderneta de poupança, uma casa que está à venda por R$ 180 mil e uma mala cheia de promissórias e cheques sem fundo.

O boiadeiro Miron Vieira de Souza, de Iporá (GO), faturou sozinho 22 milhões de cruzeiros, hoje cerca de R$ 16 milhões no Concurso 254 da Loteria Esportiva, em setembro de 1975, na época considerado o maior prêmio da Loteca e do mundo em concursos de prognósticos. Ele estava de aniversário e ganhou um presente para ninguém botar defeito. Sua primeira compra depois de se tornar milionário foi uma dentadura.

Depois adquiriu terras que se espalhavam até onde a vista alcançava, com quilômetros de cerca e centenas de bois. Um pequeno império. No começo da vida milionária passou por momentos difíceis, quando ainda desacostumado com tanto dinheiro, pagava banquetes e noitadas para os amigos. Ainda teve tempo de se recuperar. De lá pra cá, ainda ganhou quatro vezes na loteria, mas todos os prêmios foram baixos. A última vez foi na Copa de 1998, cerca de 6 mil reais que foram aplicados na compra de dez bezerros. Hoje, Miron vive feliz com a família, tendo dividido os bens com os filhos e netos.

O gaúcho Paulo Tadeu Stolfo, funcionário de uma marmoraria em Santana do Livramento jogou 1 real e ganhou o correspondente a 5,4 milhões de dólares em 1995. Mudou-se com a família para um apartamento dúplex de cobertura, comprou um carrão importado, montou uma fábrica de produtos de couro e retomou o ritmo de vida que tinha antes do prêmio.

Joaquim Dias Chaves, um carroceiro da cidade de Assis, no interior de São Paulo, que vivia com meio salário mínimo mensal para sustentar sua família de cinco filhos, tem história parecida. Acertou a Supersena em 1996. O prêmio foi correspondente a 152.000 dólares. Joaquim é analfabeto. Depois da notícia de sua sorte, foi procurado por muita gente. Tinha mulher convidando para sair, vizinho pedindo dinheiro emprestado. Mas ele soube resistir: comprou um sítio, três casas para a família e uma chácara. Aos 69 anos de idade, continua levantando da cama de madrugada para lidar com o gado e cuidar de suas terras.

Em julho de 1977, quando tinha apenas 19 anos de idade, o agricultor Antônio Donizeti acertou na Loteria, faturando 16,1 milhões de cruzeiros, hoje mais de R$ 20 milhões. Em três anos ele estava literalmente “quebrado”, havia gasto quase tudo com mulheres. Sorte sua é que antes das noitadas de farra, comprara um pequeno sítio em Araçuaí, no Vale do Jequitinhonha, uma das regiões mais pobres de Minas Gerais, onde nasceu e mora até hoje e planta feijão e milho.

Nenhum caso aqui narrado se compara ao de Nivaldo Eduardo dos Santos, um dos primeiros milionários da Loteria Esportiva. Ele tinha 27 anos de idade quando foi bafejado pela sorte. No teste 96, de 16 de julho de 1972, ele ganhou 2.967 milhões de cruzeiros, o equivalente a R$ 6 milhões, dinheiro suficiente para comprar na época mais de 300 carros populares, ou cerca de 60 apartamentos de três quartos em um bairro de classe média de Salvador, ou ainda 950 mil sanduíches Big Mac.

E o que ele fez? Torrou toda a grana em intermináveis noitadas com mulheres e uísque importado. Com a carteira recheada, chegou a conquistar algumas das mais bonitas mulatas do Sargentelli. Durante os seis anos de vida boa, fez da ponte aérea Salvador-Rio de Janeiro um percurso tão banal como ir do Farol da Barra até a praia de Stela Maris. Se tinha jogo do Bahia no Maracanã, pagava a viagem de 20 amigos, de avião, para a capital carioca.

Não bastasse isso, ainda fez péssimos negócios com investimentos malfadados em letras mortas e sociedades em negócios falidos, como o primeiro check-up eletrônico para veículos em Salvador, a Oficina Auto Elétrica 2001, nos Dendezeiros, que lhe rendeu processos trabalhistas dos quase 20 empregados e uma dívida com a Justiça, que o levou a prisão. Isso, sem falar nos cinco carros Dodge Dart que comprou e nas casas que deu de presente para mulheres do Pelourinho.

Mas, dinheiro não dura para sempre, um dia termina. Nivaldo viu seu sonho se transformar em pesadelo. O dinheiro, como chegou foi embora. Quem não pensava mais em pobreza, hoje vive de braços dados com ela. Nivaldo precisa dormir num albergue na Barroquinha e batalhar por uma aposentadoria por invalidez. Sobrevive das migalhas de quem deixa um carro estacionado aos seus cuidados. Os dentes de ouro que antes exibia em largos sorrisos, foram todos extraídos. Os primeiros vendidos para pagar dívidas, os outros para comprar comida. Hoje, Nivaldo exibe uma boca mole e desdentada.

E como desgraça nunca vem só, ainda sofre de hanseníase. Os dedos encolheram e parecem estar pela metade. A pele está descascada em úlceras brancas e secas. Mas a doença nem é o mal maior, sim as lembranças de um passado recente de riqueza, que ele jogou fora. Tristes recordações de quem um dia foi vizinho de craques do Flamengo, nos apartamentos de Ipanema. (Pesquisa: Nilo Dias)
Nivaldo Eduardo dos Santos, foi o pior exemplo. Em seis anos passou de milionário a pedinte. (Foto: Jornais da época)

Pobres milionários (1)

A Loteria Esportiva, popularmente chamada de “Loteca” é o mais antigo dos concursos de prognósticos promovidos pela Caixa Econômica Federal (CEF). Tudo começou em 19 de abril de 1970, quando aconteceu uma rodada experimental no antigo Estado da Guanabara. O jogo mínimo custava dois cruzeiros novos, com um duplo, o jogo com um triplo custava três cruzeiros novos. O prêmio foi fixado em 200 mil cruzeiros novos, com cem mil bilhetes concorrendo. Para ter direito ao prêmio, o apostador precisava acertar os 13 jogos selecionados pela agência “Sport Press”, contratada pela CEF. Ninguém conseguiu. Mas oito apostadores bateram na trave, e foram premiados com doze pontos.

Depois disso, outras rodadas experimentais foram realizadas: em 3 de maio, também na Guanabara, e em 17 de maio, em São Paulo, Belo Horizonte e Brasília. Oficialmente o concurso teve início em 7 de junho daquele ano. Curiosamente foi nesse concurso que pela primeira vez foram acertados os 13 pontos. Já o primeiro apostador a ganhar o prêmio sozinho foi Gilberto Furtado Medeiros, no teste número 5, realizado em 28 de junho, mas sem marcar os treze pontos. Ele errou apenas um jogo, num teste que teve oito empates.

Naquela época não existia a avançada tecnologia de hoje. Era preciso preencher um cartão que era entregue na casa lotérica, que usava uma máquina manual da IBM, chamada “Port a Punch”, para furar dois cartões, sendo que um ficava como comprovante com o apostador. No domingo, depois de finalizados todos os jogos, um computador da CEF levava 17 minutos para processar as apostas, lendo cartão por cartão até encontrar os premiados. Nove pontos era o mínimo para o prêmio ser rateado. Depois, seguia com o mesmo processo até achar cartões com 10, 11, 12 e 13 acertos. Quando algum jogo não era realizado, na segunda-feira acontecia um sorteio e também o processamento.

Tem um velho ditado que diz: “Deus dá rapadura, para quem não tem dente”. É claro que eu não compartilho desse pensamento, pois como cristão que sou, acredito que cada um recebe nesta vida aquilo a que tem direito. Quem somos nós para tentar decifrar o enigma do porque alguns têm tudo e outros nada? Mas o meu propósito não é o de discutir questões religiosas, sim o de mostrar a trajetória de alguns ganhadores da Loteria Esportiva e o destino dado a verdadeiras fortunas.

A Loteria Esportiva em pouco tempo transformou-se em uma verdadeira coqueluche nacional. Os valores pagos a cada semana eram milionários. Nas casas de apostas as filas eram cada vez maiores. Afinal, quem não gostaria de ficar rico da noite para o dia?

Neste artigo vamos mostrar como algumas pessoas lidaram com as fortunas ganhas. O maquinista Jovino Viriato do Carmo ganhou em agosto de 1970, 2,9 milhões de cruzeiros, ou R$ 5,4 milhões de hoje. Seu primeiro ato como novo milionário foi comprar uma fazenda em Vassouras, no Médio Paraíba fluminense. Sem experiência na atividade rural, acabou contraindo muitas dívidas. Alguns anos depois foi obrigado a vender a fazenda, para honrar compromissos e cuidar do filho, viciado em drogas. Morreu pobre, em 2000.

Um dos casos mais conhecidos foi o de Eduardo Varela, o “Dudu da Loteca”, que ficou milionário de uma hora para outra. Em maio de 1972, no teste 85, ele acertou uma “zebra” inesperada no jogo entre Corinthians e Juventus, no Pacaembu. O Corinthians tinha 95% das apostas, enquanto o “Moleque Travesso” vinha de cinco derrotas consecutivas. O meia Brecha, ao marcar o gol da vitória grená por 1 X 0, encheu os bolsos de “Dudu”, que ganhou nada mais, nada menos, do que 11,6 milhões, aproximadamente R$ 18,2 milhões.

Com 23 anos de idade e um “caminhão” de dinheiro ele comprou casas e apartamentos, um deles na Avenida Vieira Souto, em Ipanema, um dos endereços mais caros do País. Sem experiência em negócios, acabou investindo altas cifras em dois hotéis em Campos de Jordão (SP), que acabaram falindo. Isso não o deixou pobre. O pior viria depois, quando se separou da mulher. Ele havia feito outra “burrada”, ao colocar quase todos os imóveis, inclusive o da Vieira Souto, no nome do sogro. Com a separação, perdeu tudo. Sobraram apenas duas salas no centro do Rio de Janeiro e um imóvel em Itaipava, região serrana do Rio. Na época, o ex-milionário trabalhava como funcionário de uma corretora de valores.

Já o comerciante Mário Alberto Ronconi, de Santa Tereza, no Espírito Santo, ganhou em novembro de 1972, 14 milhões de cruzeiros, o equivalente a R$ 20,4 milhões de hoje. É verdade que ele não ficou com toda essa grana. Teve que dividir com mais 18 amigos, com quem havia feito um bolão. A sua parte, ele aplicou num fundo de investimento, mas se deu mal. Seis meses depois a inflação já havia acabado com metade do prêmio.

Com o dinheiro que restou, entrou como sócio numa rede de supermercados. Outra decepção, mais perdas num prazo de seis meses. Sem mais alternativas teve que sair da sociedade. Com as sobras do prêmio comprou um posto de gasolina, que mantém até hoje e lhe garante uma estabilidade financeira.

Final triste teve o apostador baiano Francisco Portela, que em abril de 1974 ganhou 14,7 milhões de cruzeiros, mais ou menos R$ 15,9 milhões em valores atuais. Ele aplicou o dinheiro na construção imobiliária em Salvador e em seguida foi a falência. Hoje, mora nos Estados Unidos, onde trabalha como funcionário de um escritório de contabilidade. (Pesquisa: Nilo Dias)
Apostadores em busca da fortuna (Foto: Divulgação)