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quarta-feira, 26 de agosto de 2009

A queda de um gigante (01)

O Santa Cruz Futebol Clube, de Recife (PE), um dos mais tradicionais e queridos clubes esportivos do Brasil vive uma crise sem precedentes e que parece não ter fim. O clube entrou, futebolisticamente, naquilo que se pode chamar de “fundo do poço”, ao não conseguir classificação nem mesmo para a Série C, a terceira divisão do campeonato brasileiro, sendo superado por times quase desconhecidos na Série D, a trágica quarta divisão nacional.

O clube surgiu por idéia de um grupo de 11 meninos com idades entre 14 e 16 anos, que costumavam jogar futebol no pátio da Igreja de Santa Cruz, em Recife, pois naqueles distantes anos ainda não existiam campos para a prática do novo esporte. A reunião para fundação do clube aconteceu às 19 horas do dia 3 de fevereiro de 1914, na casa de número 2, da Rua da Mangueira, no distrito de Boa Vista.

São considerados fundadores os desportistas Quintino Miranda Paes Barreto, José Luiz Vieira, José Glacério Bonfim, Abelardo Costa, Augusto Flankin Ramos, Orlando Elias dos Santos, Alexandre Carvalho, Oswaldo dos Santos Ramos, Luiz de Gonzaga Barbalho e Uchôa Dornelas Câmara.

A primeira diretoria do Santa Cruz ficou assim constituída: Presidente, José Luís Vieira; Vice-presidente, Quintino Miranda Paes Barreto; Primeiro secretário, Luís de Gonzaga Barbalho e Diretor de Esportes, Orlando Elias dos Santos. O nome escolhido para a nova agremiação foi "Santa Cruz Foot-Ball Club", em alusão ao local onde treinavam. Em principio as cores escolhidas foram o branco e preto, mas logo depois foi acrescentado o vermelho, para não haver igualdade de cores com o Flamengo, um outro clube pernambucano da época. Uma “vaquinha” entre os fundadores rendeu 8.500 réis, que foram aplicados na compra da primeira bola do time.

O primeiro adversário do Santa Cruz foi o Rio Negro, em jogo realizado na campina do Derby. O “time dos meninos”, como era chamado, mesmo acostumado a jogar somente nas ruas, não teve dificuldade em aplicar uma sonora goleada de 7 X 0. Silvio Machado foi o autor do primeiro gol da história do clube. O Santa Cruz mandou a campo esta equipe: Waldemar Monteiro - Abelardo Costa e Humberto Barreto - Raimundo Diniz - Osvaldo Ramos e José Bonfim - Quintino Miranda - Sílvio Machado - José Vieira - Augusto Ramos e Osvaldo Ferreira.

O Rio Negro não se confirmou com os 7 X 0 e pediu revanche, impondo ainda algumas condições: que o jogo fosse realizado no seu campo, que se situava a Rua São Borja, e que o centroavante do Santa Cruz, Sílvio Machado, não fosse escalado. No jogo anterior ele foi o melhor jogador em campo, tendo marcado 5 dos 7 gols. O Santa Cruz aceitou as condições e escalou Carlindo para substituir o seu artilheiro. Pior para o Rio Negro, que dessa vez levou 9 X 0, e o substituto de Silvio Machado marcou 6 gols.

O terceiro jogo da história do Santa Cruz foi contra o Western Telegraph Company, o time mais famoso da cidade, formado exclusivamente por ingleses que trabalhavam no Recife. Não tomando conhecimento da fama do adversário o Santa Cruz foi para cima e conquistou sua terceira vitória em três jogos.

Ainda sem completar o primeiro ano de fundação o Santa Cruz conheceu sua primeira crise interna. Um dos fundadores propôs em reunião que o único dinheiro existente em caixa, 6 mil réis, fosse gasto na compra de uma máquina elétrica de fazer caldo de cana, o que era sucesso na época, na Rua da Aurora. Foi quando Alexandre de Carvalho deu um murro em cima da mesa e disse: “o Santa Cruz nasceu e vai viver eternamente”, evitando com esse gesto de revolta o fechamento do clube.

O Santa Cruz desde a sua fundação se caracterizou como um clube popular. Foi fundado por pessoas da classe média, por isso não teve dificuldades em aceitar negros na sua equipe, coisa rara naqueles tempos. O primeiro negro a vestir a camisa tricolor foi Teófilo Batista de Carvalho, mais conhecido por Lacraia, em 1915.

A maior e mais emocionante virada de virada de placar que o Santa Cruz realizou em toda a sua história, aconteceu em 1915 no Estádio dos Aflitos. O time perdia de 5 X 1 para o América até os 30 minutos do segundo tempo. Numa incrível seqüência, o Santa marcou seis gols e venceu a partida por 7 X 5. Três gols foram marcados pelo atacante Tiano - Martiniano Fernandes médico e ex-senador pelo Estado de Pernambuco.

No ano de 1915 o Santa Cruz filiou-se a Liga e disputou o campeonato. A estréia foi com vitória sobre o Coligação S.R. por 1 X 0. Apesar de não conquistar o título, o Santa Cruz terminou empatado com mais dois clubes, Torres e Flamengo, que foi o campeão ganhando o triangular final.

No dia 30 de janeiro de 1919 o Santa Cruz se tornou o primeiro time nordestino a vencer uma equipe do Rio de Janeiro. A vitima foi o Botafogo, que perdeu por 3 X 2. Tiano marcou dois gols e Pitota completou o marcador. O "Jornal Pequeno", da segunda-feira, 31, estampava a manchete: "O Botafogo Futebol Clube é derrotado pelos "meninos" cá de casa pelo escore de 3 a 2". O fato foi tão marcante que ofuscou a passagem pela cidade de Santos Dumont, o “Pai da Aviação”. Na cidade só se falava da vitória tricolor.

O primeiro título pernambucano veio em 1931, na vitória de 2 X 0 sobre o Torre, gols de Valfrido e Estêvão. Foram 10 jogos, com 8 vitórias, um empate e apenas uma derrota. O time fez 41 gols e sofreu 9. Ao todo o Santa conquistou 17 pontos, um a mais que o Náutico, vice campeão.

No time campeão estavam duas figuras lendárias no futebol pernambucano: Tará e Sherlock. O Santa utilizou na campanha do título os seguintes atletas: Dada, Sherlock, Fernando, Dóía, Julinho, Zezé, Walfrido, Aluízio, Neves, Tará, Lauro, Estevão, João Martins e Popó. Este time conseguiu também o título de 1935.

Em 1934 o Santa Cruz foi autor de um feito histórico, se tornando um dos três times (fora seleções) de futebol em todo o mundo a derrotar a Seleção Brasileira. Depois da Copa da França em 1934, a seleção fez uma série de amistosos em Recife. Ganhou do Sport por 4 X 2, do próprio Santa por 3 X 2 e do Náutico por 8 X 3. Porém, por causa do atraso do navio que levaria a seleção de volta, o Santa Cruz pediu revanche e ganhou a partida por 2 X 1. (Pesquisa: Nilo Dias)

Tricampeões (1933). João Martins, Zezé Fernandes, Sebastião Virada, Tará, Estevão, Diógenes e Lauro...
...Ernani, Carlos Benning, Sherlock, Marcionilo, Limoeiro, Walfrido e Dadá. (Fotos: Acervo do Santa Cruz F.C.)