Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

O “Pai” da Medicina Esportiva no Brasil

Álvaro Lopes Cançado, o "Nariz", um dos principais zagueiros do futebol brasileiro, sério e as vezes violento nasceu em Campo Florido (MG), na época distrito de Uberaba, no dia 8 de dezembro de 1912. Começou a carreira em 1928, no Instituto Grambery, de Juiz de Fora, onde também ganhou o apelido devido ao tamanho de seu nariz. Em 1929 foi para o Tupy, também de Juiz de Fora. Em 1930, aos 18 anos de idade transferiu-se para o Clube Atlético Mineiro, onde permaneceu até 1932.

Seu primeiro jogo pelo time titular do “Galo” aconteceu no dia 22 de março de 1931, um amistoso contra o Palestra Itália (hoje Cruzeiro), com vitória atleticana por 3 x 0. Vestiu a camisa alvinegra mineira pela última vez, em 20 de novembro de 1932 no empate em 0 X 0 contra o Vasco da Gama, do Rio de Janeiro, em partida amistosa. “Nariz” jogou 32 vezes pelo Atlético, sem marcar gol. Foi campeão mineiro em 1931 e 1932.

Em 1932 o "Jornal dos Sports", do Rio de janeiro patrocinou um Campeonato Acadêmico, que foi realizado na Argentina e no Uruguai. Para representar o Brasil foi formada uma seleção formada por jogadores do Rio, São Paulo e Minas Gerais. Entre eles: "Nariz" (Atlético Mineiro),Luizinho (São Paulo), Ivan (Fluminense), Paulinho (Botafogo), Victor (goleiro Botafogo), Fernandinho, Elói, Cássio e Vicentino (todos do Flamengo), De Mori (Fluminense), etc.

Foram disputados vários amistosos preparatórios contra grandes clubes como Fluminense, Flamengo, Combinado Fla-Flu, Vasco, Palestra Itália (MG), Nova Lima (MG), Santos, Corinthians e São Paulo. Contra o São Paulo, vice-campeão paulista o famoso Friedenreich saiu de campo com uma fratura no nariz, após uma trombada com o zagueiro "Nariz".

No jogo contra o Corinthians, campeão paulista, a atriz Lia Torá, esposa do diretor de futebol do Fluminense foi convidada para ir ao hotel em que os Acadêmicos estavam hospedados e também para assistir ao último jogo. O diretor dos Acadêmicos, Duval Ernani de Paula disse a "Nariz" que Lia Torá iria ao estádio somente para vê-lo jogar, pois o considerava um dos melhores zagueiros do Brasil.

Resultado, Acadêmicos 4 X 1 Corínthians, com atuações soberbas de "Nariz" e Vicentino do Flamengo, que fez os quatro gols de seu time. No outro dia os jornais estampataram em machetes: "Nariz venceu o Corinthians". Lia Torá e o marido convidaram os jogadores do Acadêmicos para jantar no hotel em que a atriz se encontrava hospedada.

Em 1933 foi para o Rio de Janeiro defender o Fluminense. Em 1934 estava no Botafogo, onde fez parte da famosa defesa conhecida como “Esquadrão de Cavalaria”, jogando ao lado de Octacilio, Affonso e Canalli. Ficou no alvi-negro até 1941, quando encerrou a carreira futebolistica. No Botafogo, "Nariz" participou de 165 jogos, tendo sido campeão carioca em 1934 e 1935 e vencedor da Copa Burgos, em 1941 no México.

Seu primeiro jogo pelo Botafogo aconteceu no dia 9 de dezembro de 1934, um amistoso contra o Vasco da Gama, em São Januário, que terminou empatado em 1 x 1. O Botafogo jogou naquela oportunidade com Victor - Sílvio Hoffmann e Nariz – Ariel - Martim (Fernando Giudicelli) e Canalli – Álvaro - Waldemar de Britto - Carvalho Leite - Nilo e Patesko.

Em 1934 foi convocado pela primeira vez para a Seleção Brasileira, mas não chegou a jogar. Com a camisa da Seleção participou de quatro partidas, três no Sul-Americano de 1937 e uma na Copa de 1938, quando também foi o médico da Seleção, tendo se formado dois anos antes. Teve a oportunidade de acompanhar o tratamento de Leônidas da Silva, o craque brasileiro, que à beira de uma distensão não teve condições de enfrentar a Itália na partida semi-final.

O técnico da Seleção na Copa de 1938, Ademar Pimenta contou que “Nariz”, aproveitando sua condição de médico da delegação brasileira, dispensava jogadores dos treinamentos, principalmente o seu companheiro Luizinho e a dupla Tim e Patesko. Ele e Luizinho tiveram privilégios. Embora a proibição de mulheres na delegação, os dois tiveram permissão para levarem suas esposas, o que causou mal estar geral entre os demais jogadores.

Os jogos da Seleção em que “Nariz” esteve presente: pelo Sul-Americano da Argentina, em 1937, no estádio da Bombonera, Brasil 6 X 4 Chile; em 13 de janeiro, no Estádio Gasômetro de Boedo, Buenos Aires, Brasil 5 X 0 Paraguai; em 30 de janeiro, no Gasômetro de Boedo, Argentina 1 x 0 Brasil. Pelo Mundial de 1938, em 14 de junho, em Bordeaux, Brasil 2 X 1 Tchecoslováquia. Nesse jogo o técnico Ademar Pimenta escalou dez reservas, permanecendo no time apenas Leônidas da Silva. “Nariz” entrou no lugar do zagueiro titular Machado.

Da seleção de 1938 muitos jogadores seguiram destinos diferentes: Jaú, companheiro de zaga de “Nariz”, se tornou "pai de santo", tendo inspirando o personagem “Pai Jaú”, do programa humorístico “Show do Rádio”. O médio Afonsinho aposentou-se como policial. O também médio Brito trabalhou como servente, e Argemiro, carcereiro. O craque Leônidas da Silva tornou-se comentarista de rádio e o ponta-direita Luizinho, advogado, tendo exercido o cargo de juiz do Tribunal de Justiça Desportiva.

Em 1940 “Nariz” fundou no Botafogo o primeiro Departamento Médico de um clube de futebol no Brasil e, por isto, é considerado o pai da Medicina Esportiva brasileira. Para ser médico do Botafogo tinha um contrato simbólico, pelo qual recebia um cruzeiro por ano. Após deixar o futebol, tornou-se um Ortopedista conceituado. Em 1954 foi um dos fundadores e primeiro professor da Escola de Medicina de Uberaba, que deu origem a atual Universidade Federal do Triângulo Mineiro.

No dia 10 de junho de 1972, o doutor Álvaro Lopes Cançado foi um dos convidados especiais para os festejos inaugurais do Estádio “Uberabão”. Ele deu a volta olímpica no gramado, conduzindo a bola do jogo entre as Seleções Brasileiras, a principal e olímpica, que teve o pontapé inicial desferido por Tostão.

Foi uma festa inesquecível, que teve show da Esquadrilha da Fumaça, homenagem aos três clubes de futebol existentes na cidade, Uberaba, Nacional e Independente. Várias autoridades estiveram presentes, o governador Rondon Pacheco, o prefeito Arnaldo Rosa Prata, o então presidente da CBD, João Havelange e o idealizador do estádio e doador do terreno, Edgard Rodrigues da Cunha.

No dia 19 de setembro de 1984, em sua fazenda em Campo Florido, no chamado “Sertão da Farinha Podre”, o ex-craque”Nariz”, aos 72 anos de idade suicidou-se, sem que se soubesse as razões de tão inesperado gesto. Deixou dois filhos, Vânia e Álvaro Júnior, este também já falecido, ambos médicos. (Pesquisa: Nilo Dias)

"Nariz", quando jogou pelo Botafogo carioca. (Foto: Acervo do Botafogo de F.R.)