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segunda-feira, 13 de setembro de 2010

O zagueiro esquecido

Pellegrino Adelmo Begliomini, o ex-zagueiro Begliomini, nasceu em 27 de novembro de 1914 em Santo André (SP). Filho de italianos, ele jogou em várias equipes amadoras da sua terra natal, até se destacar no 1º de Maio FC, o time mais forte da cidade. Foi lá que, aos 17 anos, observado por um dirigente recebeu convite para jogar no juvenil do Palestra Itália. Estreou em 1934 em uma vitória sobre o Uberaba por 4 X 0.

Begliomini fez 184 jogos pelo Palestra, com 118 vitórias, 30 empates, 36 derrotas e nenhum gol marcado, tendo sido campeão paulista em 1936, 1940 e 1942. Foi o primeiro jogador do hoje ABC Paulista a defender a Seleção Brasileira.

Em 1942 o mundo estava envolvido na Segunda Guerra Mundial e o Brasil, em guerra com a Itália. Situação bem constrangedora para os italianos residentes em nosso país, especialmente em São Paulo. O Palestra Itália de então teve que mudar o nome para Sociedade Esportiva Palestra de São Paulo, devido a uma grande campanha de difamação, movida contra ela.

Mas nem mesmo assim houve sossego. Às vésperas do jogo decisivo contra o São Paulo, teve que mudar novamente o nome, dessa vez para Sociedade Esportiva Palmeiras, cuja denominação, permanece até hoje.

A partida ia ser realizada, por coincidência, no dia vinte de setembro, data da Unificação da Itália, o que aconteceu no ano de 1870. As baterias funcionaram, incessantemente, por certo locutor esportivo amparado pelo proprietário da emissora em que trabalhava. O adversário tinha preparado uma grande vaia para quando a S.E. Palmeiras entrasse em campo.

O vice-presidente do novo Palmeiras era o capitão Adalberto Mendes, oficial do Exército Brasileiro, que entrou em campo fardado, a frente da Bandeira Nacional, segura pelas mãos dos jogadores. As vaias programadas acabaram não acontecendo.

Começou o jogo e o resultado estava 3 X 1 a favor do Palmeiras, quando o zagueiro sãopaulino, Virgílio, deu uma violenta entrada no jogador Villadonica, dentro da área. O juiz incontinente marcou pênalti, expulsando o faltoso. A partida, que até aquele momento era tensa, explodiu de vez. Os jogadores do São Paulo inconformados com a decisão do árbitro e, obedecendo as ordens vindas da sua diretoria, retiraram-se de campo.

O juiz então deu a vitória ao Palmeiras, O jogador Begliomini, ao ser entrevistado por uma emissora, no auge do entusiasmo, gritou a plenos pulmões a frase que se eternizou: “O Palestra morreu invicto e, o Palmeiras, nasceu campeão!”.

Os heróis daquela conquista foram Oberdan, Junqueira, Begliomini, Zezé, Og Moreira, Del Cláudio, Valdemar Fiúme, Villadoniga, Nero, Lima e Etchevarrieta.

Depois do título de 1942, Begliomini se transferiu para o Corinthians, onde foi apenas vice-campeão: 1943, 1945 e 1946. Fez 75 jogos com a camisa alvinegra com 47 vitórias, 12 empates e 16 derrotas. Por uma dessas ironias do destino, quando defendeu o Corinthians marcou dois gols contra em clássicos contra o Palmeiras.

Encerrou a carreira prematuramente, aos 33 anos de idade, quando ainda jogava no Corinthians, devido a uma séria contusão em um dos joelhos. Nessa época fez dupla de zaga, com outra lenda do futebol brasileiro, Domingos da Guia.

Begliomini serviu a Seleção Brasileira entre 1942 e 1945. A primeira convocação foi para participar do Campeonato Sul-Americano de 1942, disputado no Uruguai. O time ficou em terceiro lugar, atrás da Argentina e dos donos da casa que foram campeões. Por conta de uma forte gripe que pegou no avião, o zagueiro só conseguiu estrear contra o Equador, na vitória por 5 X 1, no Estádio Centenário de Montevidéu. No ataque brasileiro, havia talentos da grandeza de Cláudio Cristóvão de Pinho, Pirilo, Tim e Zizinho.

A defesa brasileira foi a menos vazada do torneio e Begliomini se destacou por seu futebol sério e de muita raça, que lhe valeu o apelido de “Stalingrado”, referência a cidade russa que foi palco de uma das mais sangrentas batalhas da 2ª Guerra Mundial. A imprensa da época se referia a ele como “a barreira'' ou “o intransponível''. Em casa, com pais e tios, o apelido era mais carinhoso, “Cócco”, que, em italiano, significa ‘querido'', ‘predileto''.

Segundo o advogado Henrique Johnen, neto de Begliomini, ele jamais esqueceu esse campeonato. Ficou impressionado com a paixão dos uruguaios pelo futebol. Dizia que era impossível ganhar deles lá. De fato, o Brasil perdeu por 1 X 0 e só dois anos depois veio a desforra em jogos amistosos realizados no Rio de Janeiro e em São Paulo, para homenagear os soldados brasileiros que retornavam da guerra na Europa. O Brasil fez 6 X 1 e 4 X 0 nos uruguaios.

Em 1945, ele disputou novamente o Sul-Americano, desta vez no Chile. O Brasil perdeu o título para a Argentina. Além de Begliomini, o time tinha craques como Tesourinha, Zizinho, Heleno de Freitas, Jair da Rosa Pinto, Ademir Menezes e o goleiro Oberdan. Begliomini nunca esqueceu o susto que passaram na concentração. Uma certa manhã aconteceu um tremor de terra por lá.

Os jogadores estavam tomando café. As xícaras foram parar quase meio metro longe, e as cadeiras embaixo das mesas. Alguns jogadores ficaram desesperados, querendo voltar imediatamente para o Brasil. O Zizinho, que tinha um medo enorme foi correndo arrumar as malas.

Considerado um dos melhores elencos da história da Seleção Brasileira, a maioria desses jogadores jamais foi a uma Copa do Mundo. O último Mundial havia acontecido em 1938, na França. O Brasil havia lançado a candidatura para sediar a de 1942, mas por causa da guerra ela não aconteceu. Só veio para o nosso país em 1950, quando Begliomini já havia deixado os gramados.

Com o fim da carreira dentro de campo, Begliomini virou técnico. Foi treinar o Clube Atlético Rhodia, de Santo André, e ainda passou por Guarani de Campinas, Noroeste de Bauru, Portuguesa Santista, Guaratinguetá entre outros. Depois de aposentado, na década de 1970 jogou pela equipe de veteranos do “Dragão Vermelho”, que disputava o torneio interno do Clube Atlético Aramaçan. Ele era reserva do time e mesmo com certa idade, ainda impunha respeito pelo tamanho.

Begliomini morreu no dia 10 de outubro de 1992, aos 78 anos de idade, sem ter a fortuna e a fama que os jogadores de Seleção, hoje em dia, conseguem rapidamente. Ficaram as medalhas, fotos e recortes de jornais com seus dias de glória. O neto Henrique Johnen e a enteada Eunice Pellozo pretendem doar parte desses documentos ao Museu Octaviano Gaiarsa, em Santo André. (Pesquisa: Nilo Dias)

(Foto: Acervo da S.E. Palmeiras)