Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

terça-feira, 26 de julho de 2011

Filpo Nuñes, "El Saleroso"

Nelson Ernesto Filpo Nuñes nasceu em 19 de agosto de 1920, em Buenos Aires, na Argentina. Naturalizou-se brasileiro, e foi o único técnico estrangeiro em toda a história a dirigir a Seleção Brasileira. Também foi o responsável pela montagem da famosa “Academia”, da S.E. Palmeiras, nas décadas de 1960/1970.

Treinador considerado metódico, ousado, falastrão, quase folclórico, ficou carinhosamente conhecido no Brasil como “El Bandoneón”, o típico instrumento do tango, porque diziam que os times que treinava, jogavam por música.

Formou-se em Educação Física no Equador e depois ingressou na carreira de treinador de futebol profissional no seu país, dirigindo a equipe do C.S. Independiente Rivadavia, de Mendoza. Antes de chegar ao Brasil, "Don" Filpo Nuñes teve passagens por diversos países da América do Sul. Treinou o Santiago Nacional, do Chile, Sport Boys, do Peru, Espãna, do Equador, Municipal, da Bolívia, Libertad, do Paraguai e Sant Martins e Velez Sarsfield, da Argentina.

Filpo chegou ao Brasil ainda jovem para ser treinador. Dirigiu o Cruzeiro, de Belo Horizonte em 1955 e depois passou por várias equipes, entre elas Guarani, Atlético Paranaense, Jabaquara, Portuguesa Santista, América de Rio Preto e Vasco da Gama, antes de assumir o Palmeiras. Pelo alviverde, entre 1964 e 1965, Filpo adotou jogar em velocidade, tocar de primeira e chegar ao gol. Nesse período, o Palmeiras começou a ser batizado de “Academia de Futebol”.

O super time palmeirense começou a ser montado em 1964, quando a equipe era liderada pelo craque Ademir da Guia. Depois vieram Dudu, da Ferroviária de Araraquara (SP), Ademar Pantera, revelado pela Prudentina, de Presidente Prudente (SP) e Rinaldo, ponta esquerda do Náutico de Recife (PE).

Comandado por Filpo Nuñes, o onze palmeirense ganhou o Torneio Rio-São Paulo de 1965, que na época era considerado a competição nacional mais importante, com atuações de alto nível. Goleadas contra os principais rivais: 7 X 2 no Santos, 5 X 0 no Botafogo, em pleno Maracanã, 5 X 0 no São Paulo e mais 4 X 0 no Vasco . O título máximo chegou em outra goleada diante do Botafogo, dessa feita no Pacaembu.

A equipe era tão respeitada a ponto de a antiga Confederação Brasileira de Desportos (CBD) requisitá-la para representar a Seleção Brasileira na inauguração do Estádio Magalhães Pinto, o “Mineirão”, no dia 7 de setembro de 1965, em partida amistosa contra o Uruguai. E foi show de bola dos palmeirenses, com goleada por 3 X 0, gols de Tupãzinho, Rinaldo e Germano. Nesse dia, pela primeira e única vez, a seleção brasileira jogou sob a orientação de um técnico estrangeiro:

O time era formado por Valdir de Moraes (Picasso) - Djalma Santos - Djalma Dias - Valdemar Carabina (Procópio) e Ferrari - Dudu -(Zequinha) e Ademir da Guia - Julinho (Germano) – Servílio - Tupãzinho (Ademar Pantera) e Rinaldo (Dario). O Uruguai jogou com Taibo (Fogni); Cincunegui (Brito), Manciera e Caetano; Nuñes (Lorda) e Varela; Franco, Silva (Vingile), Salva, Dorksas e Espárrago (Morales).

Árbitro: Eunápio de Queiroz; Gols de Rinaldo aos 27 e Tupãzinho aos 35 minutos do primeiro tempo; Germano fechou o placar aos 29 minutos da etapa final. Renda de Cr$ 49.163.125,00 por um público de 96.669 pessoas. No ano anterior, o Palmeiras já havia ganho a “Taça do Quarto Centenário do Rio de Janeiro”, batendo a seleção do Paraguai por 5 X 2.

O Palmeiras não foi o único grande clube da capital paulista a ter o argentino como técnico. Filpo Nuñes dirigiu duas vezes o Corinthians. Primeiro, em 1966, quando o alvinegro chegou a liderar o Campeonato Paulista. Depois, em 1976. O treinador comandou o “Timão” em 34 partidas, com 16 vitórias, 7 empates e 11 derrotas.

Filpo chegou a ter outras duas passagens pela Sociedade Esportiva Palmeiras: entre 1968 e 1969; e entre 1978 e 1979. Ao todo, foram 154 jogos no comando do “Verdão”, com 94 vitórias, 27 empates e 33 derrotas.

O técnico argentino fez sucesso por vários países. Em Portugal, por exemplo, dirigiu o Leixões, o Vitória de Setúbal e o Lusitano Évora. No México, trabalhou pelo Monterrey. No Brasil, ele também comandou o XV de Piracicaba (SP), Paulista de Jundiaí (SP), Galícia (BA), Coritiba, Marília (PR), Francana (SP), Sport Club Recife (PE), São José (SP), Fabril, de Lavras (MG), C. A. Atlanta (Buenos Aires (Argentina), Santo André (SP), Saad (SP) e Foz , de Foz do Iguaçu (PR).

Filpo Nuñes costumava ser convocado para tentar salvar equipes em crise, candidatas ao descenso, casos do Jabaquara e Portuguesa, ambas de Santos (SP). Em 1959, durante excursão com a Portuguesa Santista pela África, Angola e Moçambique, conseguiu uma importante conquista: a “Fita Azul” do futebol brasileiro. O título era dado ao clube do país que tivesse maior sucesso em uma excursão no exterior. De 15 partidas disputadas a “Briosa”, do então técnico Filpo Nuñes venceu todas, marcou 75 gols e sofreu dez.

Entre os clubes que dirigiu, excluindo o Palmeiras, estão o Cruzeiro (MG), Mogi-Morim (SP), Sport Recife (PE), Vasco da Gama (RJ), Guarani, de Campinas (SP), Sport Club Corinthians (SP), Jabaquara e Portuguesa Santista, de Santos (SP), Amparo (SP), Coritiba (PR) e São José (SP) e Galicia (BA).

Principais títulos e prêmios que conquistou. Campeão do Torneio Início de 1956 pelo Guarani; eleito o melhor técnico do “Torneio Preparação” de 1957, pelo Jabaquara; Campeão do Torneio Início de pelo América, de Rio Preto em 1958; “Fita Azul” do Futebol Brasileiro, pela Portuguesa Santista em 1959; Eleito melhor técnico do ano pela Agência de Notícias “Sport Press”, quando dirigia a Portuguesa Santista em 1960; Vencedor do “Troféu Conhecimento”, prêmio da Rádio Universal, de Santos”, em 1960; Vice-campeão paulista pelo Palmeiras em 1964; Campeão invicto do torneio internacional “IV Centenário da Guanabara”, pelo Palmeiras; Campeão do Torneio Rio-São Paulo de 1965, pelo Palmeiras; Vice-campeão baiano pelo Galícia, em 1967; Vice-campeão do Torneio Mar del Plata de 1968, pelo Palmeiras e Vice-campeão do Torneio Rio-São Paulo de 1969, pelo Palmeiras.

Filpo Nuñes dirigiu grandes jogadores. A lista é extensa. Entre eles: Julinho Botelho, Bellini, Djalma Santos, Dudu, Garrincha, Alfredo Mostarda, Zequinha, Servílio, Orlando, Brito, Ademir da Guia, Rivellino, Valdir Joaquim de Moraes, Vavá, Ademar Pantera, Wladimir, Cabeção, Barbosa, Piazza, Eurico, Leivinha, Dirceu Lopes, Tupãzinho, Jair Marinho, Zé Maria, Leão, Tostão, Luís Pereira, César, Djalma Dias, Procópio e Dino Sani.

Um dos grandes feitos do treinador Filpo Nuñes aconteceu no dia 31 de julho de 1957. Ele dirigia o Jabaquara, que venceu o poderoso Santos, bicampeão paulista, de virada em plena Vila Belmiro. O jogo entrou para a história do clube. A imprensa estampou manchetes do tipo “Terremoto na Vila”. Foi nesse dia que passou a ser chamado de “Dom”. Sob sua direção o Jabaquara alcançou um grande número de vitórias consecutivas.

O time do Santos era formado por Pelé, Pepe, Tite, Álvaro, Pagão, Fioti, Urubatão, Zito, Laércio, Hélvio e Ivan. O Jabaquara tinha um time formado na base do improviso, com um zagueiro completamente desconhecido. Aos 22 minutos de partida, o Santos já tinha marcado três gols, dois de Pagão e um de Tite, contra um gol do Jabaquara, anotado por “Melão”.

O “Peixe” não joga bem e até o final do primeiro tempo o “Jabuca” já havia empatado com gols de Bugre e Washington. O jogador Wilson Sório, o “Melão”, foi o grande herói do dia, ao voltar no segundo tempo e marcar mais dois gols e levar o Santos ao desespero. O estrago só não foi maior porque China, do Jabaquara, acabou por marcar um gol contra. Final: Jabaquara 6 X 4 Santos.

Quando o jogo terminou uma grande surpresa: o desconhecido zagueiro jabaquarense, Oswaldo Malcriado, era apenas o tesoureiro do clube, escalado pelo técnico Filpo Nuñes para completar o quadro de 11 jogadores. No time do Jabaquara estavam Fininho, Pavão, Getúlio, Dom Pedro, China, Osvaldo Malcriado, Ari, Hélio, Washington, Wilson Sório (“Melão”) e Bugre.

Os folclóricos nomes que dava para seus esquemas de jogo: “Pim Pam Pum” e “Carrousel”. Ele gostava de dizer aos seus comandados: “Sabe-se que só há três maneiras de se romper uma retranca: por ‘las puntas’, pela penetração de repente de um médio ou zagueiro, vindo detrás; ou pelas graças e obra da ação individual de alguém”.

O time base era formado por Valdir (Picasso) - Djalma Santos - Djalma Dias (Minuca) - Waldemar Carabina (Procópio) e Geraldo Scotto (Ferrari) - Dudu e Ademir da Guia (Zequinha) - Julinho (Gildo) - Servilio (Ademar Pantera) - Tupãzinho (Dario) e Rinaldo. (Germano.

Filpo tinha fama de folclórico. E não era por menos. Após uma partida, ele reuniu o elenco e perguntou a um jogador que atuava do meio para frente e que tinha sido eleito pela imprensa o craque do jogo: “Quantos gols você fez?” O jogador respondeu: “Nenhum”. “Quantos passes deu que resultaram em gols ou que deixaram os companheiros na cara do gol?” “Nenhum”. Filpo concluiu: “Então, você correu muito e não jogou nada.”

Outra ocasião, após o atacante César ter perdido um pênalti, transtornado, invadiu o gramado, colocou a bola na marca da cal, com a intenção de mostrar ao jogador como converter a cobrança. Só que ao correr para bola escorregou, caiu, e o estádio “retumbou” com as gargalhadas do público.

Na véspera de uma partida, já em regime de concentração, dirigiu-se ao arqueiro Leão: “Leão depois do almoço passa em meu quarto.”

Assim fez o goleiro. “Leoncito”, disse o Filpo. “Amanhã voy entrar com Neuri em tu lugar, pois necessitas de um descansio e quero probar el outro goleiro que tengo”, explicou em seu portunhol.

Leão não gostou nem um pouco: “Seu Filpo, não estou cansado e quero jogar. “Pero Emerson Leão, mi Leoncito”, retrucou Filpo. “Sentas do meu lado no banco e se necessito de ti, entras logo.”

“Não seu Filpo, vou jogar. Eu sou o titular e não tenho nada”, concluiu Leão já a ponto de perder a calma e apelar. “A si, si, así me gustas!”, exclamou vibrantemente Filpo Nunes. “Claro que vás jogar tu. Queria saber era como estava tu moral. Bravo Leon”. (Extraído do livro "Bombas de Alegria")

Antônio Medina Rodrigues, conhecido como o único poeta da “pelota” no Brasil, escreveu um poema dedicado a Filpo Nuñes:

Filpo, el saleroso

Eu não quiero nada. Solo peço que me den
emprego. Falem de mi no Palmeiras. Lá eu
fiz o gol mais rápido do mundo. Que fique
isso tamben para eles!!!

O talento de Filpo Nuñes era
proporcional à fala. E como a fala
não tem tamanho, Filpo era uma fera
de imaginação (entre nós) tão rara.

Foi ele que inventou o futebol
do pim-pam-pum e que ao Palmeiras deu
tudo que o torcedor sonhava, um rol
de títulos, medalhas, faixas.

Eu nunca vi como o Filpo ator nenhum.
Mas era argentino, milongueiro, e
Canastrão.
(Coro da crônica e da plebe, uníssonas)
E foi pelos abismos um por um,
após seu ostracismo do Verdão,
que o cisma foi demais, pim-pam-pum.

Filpo Nuñes morreu em São Paulo no dia 6 de março de 1999. Pouco antes de falecer, ele morava nas dependências do projeto “Jerusalém Ação Social”, no bairro do Heliópolis. Já havia perdido toda a fortuna acumulada nos muitos anos de fama. Por isso, morava lá. Antes de morrer, treinava um time de crianças carentes na escolinha de futebol das meninas. Passou os últimos dias da sua vida treinando aproximadamente 97 meninas. (Pesquisa: Nilo Dias)

Filpo Nuñes foi um técnico importante na história do futebol brasileiro.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

De ídolo gremista a cantor de boleros

Um dos grandes ídolos da história do Grêmio Portoalegrense, indiscutivelmente foi o zagueiro uruguaio Atílio Genaro Ancheta Weiguel, nascido em Florida, no dia 19 de julho de 1948. Começou a carreira em 1985 no San Lorenzo, de sua cidade natal. Em 1986 transferiu-se para o Nacional de Montevidéu, onde se profissionalizou e conquistou três títulos nacionais, em 1969, 1970 e 1971; a Taça Libertadores da América, em 1971 e o Mundial Interclubes, ainda em 1971, antes de ir para o Grêmio.

Em 1970 defendeu a Seleção de seu país no Mundial do México e foi considerado um dos melhores zagueiros da competição, ao lado de verdadeiras lendas do futebol como o italiano Cera e o alemão Franz Beckenbauer. O Uruguai conquistou um quarto lugar, sendo eliminado pela seleção brasileira, nas semifinais.

Em 1971 foi contratado pelo Grêmio, onde permaneceu até 1980. No clube gaúcho conquistou três títulos estaduais, 1977, 1979 e 1980. Apesar do sucesso que obteve defendendo o tricolor gaúcho, Ancheta não conseguiu se destacar mais do que o genial zagueiro chileno Elias Figueroa, que comandava um Internacional quase imbatível, na década de 70.

Mas é inegável que o chileno colorado e o uruguaio gremista fariam a dupla de zaga dos sonhos de qualquer clube nos anos 70. Eles jogaram juntos somente uma vez, foi no amistoso Seleção Gaúcha 3 X 3 Seleção Brasileira, disputado no Estádio Beira Rio, dia 17 de junho de 1972. O time gaúcho jogou com Scheneider – Espinoza – Ancheta – Figueroa e Everaldo – Carbone – Tovar e Torino – Valdomiro – Claudiomiro e Oberti. O técnico foi Aparício Vianna e Silva.

Em 1981, já em final de carreira, Ancheta foi para a Colômbia onde jogou pelo Millionários, de Bogotá. Em 1982 voltou ao Nacional, de Montevidéu para encerrar a carreira. De volta a Porto Alegre, foi comentarista esportivo da TV Pampa e deu aulas de futebol no G.E. Força e Luz.

Depois resolveu morar na cidade interiorana de Santo Antônio da Patrulha. Lá, montou uma escolinha de futebol, e também passou a dedicar-se à música, como cantor, com repertório que privilegia boleros, tangos, salsas e músicas românticas em português e espanhol. Até hoje ele faz shows em clubes, hotéis e festas particulares. Só não canta em restaurantes. Já gravou três discos, em português e espanhol. Futebol ele jogou por 13 anos, como cantor já tem 21 anos de carreira.

Pai de cinco filhos, o ex-zagueiro casou-se duas vezes. A primeira em Montevidéu, com uma uruguaia, tendo três filhos, e a segunda em Porto Alegre, onde mora atualmente, com a brasileira Nádia, com quem tem dois filhos, Pietro e Samara.

Como treinador foi campeão catarinense com profissionais e gaúcho com categorias de base. Em 2008, recomeçou sua carreira de treinador, quando foi contratado para treinar o Esporte Clube Passo Fundo, na disputa do da segunda divisão do campeonato gaúcho, mas foi demitido após quatro jogos e nenhuma vitória. (Pesquisa: Nilo Dias)

Ancheta, com a camisa do Nacional uruguaio.

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Um técnico a frente do seu tempo

Cláudio Pêcego de Moraes Coutinho, ou simplesmente Cláudio Coutinho foi um dos maiores estrategistas que o futebol brasileiro conheceu em todos os tempos. Era meu conterrâneo, nasceu na cidade gaúcha de Dom Pedrito, em 5 de janeiro de 1939. Filho de militar, aos quatro anos de idade foi para o Rio de Janeiro, onde ingressou na Escola Militar e seguiu carreira, alcançando o posto de Capitão de Artilharia.

Coutinho gostava muito de esportes, por isso se graduou na Escola de Educação Física do Exército. Em 1968, foi indicado para representar a Escola em um Congresso Mundial, realizado nos Estados Unidos. E lá conheceu o professor norte-americano Kenneth Cooper, criador do famoso método de avaliação física que leva o seu nome. Convidado por ele, Coutinho freqüentou o Laboratório de Estresse Humano da NASA. Depois, defendeu tese de mestrado na Universidade de Fontainbleau, na França.

Em 1970, durante o regime militar foi chamado para ser o preparador físico da Seleção Brasileira, que se sagrou tricampeã do Mundo, no México. Coutinho inovou na preparação, introduzindo o Método de Cooper. Depois do Mundial resolveu ser treinador, tendo dirigido a Seleção do Peru, foi coordenador da Seleção do Brasil na Copa do Mundo de 1974, treinou o Olympique, de Marselha, França, a Seleção Brasileira Olímpica em 1976 e o Flamengo, pelo qual foi tricampeão carioca e campeão brasileiro.

O bom trabalho realizado até então, o credenciou a ser chamado para o comando da Seleção Brasileira que se preparava para disputar as eliminatórias para o Mundial da Argentina. A imprensa foi surpreendida com a indicação de Coutinho, considerado ainda imaturo para tão importante cargo. Sem se importar com as criticas, o treinador foi logo imprimindo sua filosofia de trabalho.

Ardoroso defensor da europeização dos métodos, Coutinho acreditava que os jogadores brasileiros já não eram os craques intocáveis de antes, que a seleção brasileira não podia mais ficar a mercê de craques chamados “foras de série”, mas sim de um esquema em grupo, com disciplina tática.

Teórico, seu nome ficou ligado a algumas expressões até então desconhecidas no Brasil, mas muito usadas na Europa, como “overlaping”, ou “ponto futuro”, quando o atleta faz uma jogada com um companheiro e já se posiciona para receber a bola na seqüência. E a "polivalência", em que cada jogador passava a exercer mais de uma função em campo.

A classificação para o Mundial veio sem maiores problemas. Nos amistosos preparatórios para o campeonato, as convicções do técnico foram colocadas em xeque. No empate em 1 x 1 com a Inglaterra, o esquema tático deixou a desejar. Às vésperas da Copa, Coutinho passou a rever seus conceitos, mas era tarde.

E pior, errou feio na convocação dos jogadores. Não chamou Falcão, do Internacional, considerado na época o melhor armador do futebol brasileiro, para levar o truculento Chicão, do São Paulo, em nome de uma questão da obediência tática. No primeiro jogo da Copa, contra a Suécia o resultado foi um desastroso empate em 1 X 1. Depois, um novo empate contra a Espanha, dessa feita em 0 X 0.

Passou a ser chamado de retranqueiro. Coutinho se defendia dizendo que a Seleção ainda não tinha entrosamento, especialmente no ataque, com Zico e Reinaldo, dois craques, mas que estavam rendendo abaixo do esperado. Veio a minguada vitória frente à Áustria por 1 X 0, que não serviu para acalmar os ânimos.

Foi quando o presidente da CBD, almirante Heleno Nunes, acabou por intervir. Mandou que o técnico Coutinho escalasse Roberto Dinamite e Jorge Mendonça e substituísse o zagueiro improvisado na lateral esquerda Edinho, por um jogador da posição, Rodrigues Neto. O resultado veio no jogo seguinte, uma goleada de 3 X 0 sobre o Peru.

Depois a nossa Seleção enfrentou o jogo mais tenso da competição, contra a Argentina, que depois se sagraria campeã. Um empate de 0 X 0, A decisão para ver qual dos dois rivais iria para a final, ficou para a última rodada. O Brasil enfrentou a Polônia, e a Argentina o Peru. Os dois jogos estavam marcados para o mesmo dia e horário. Mas surpreendentemente a FIFA decidiu adiar o jogo da Argentina, para depois do compromisso brasileiro.

O Brasil ganhou por 3 X 1. A Argentina entrou em campo sabendo quantos gols necessitaria fazer, para chegar a classificação no saldo, primeiro critério de desempate. Em um jogo que ficou marcado pela suspeita de irregularidade, os argentinos fizeram 6 X 0, com uma visível colaboração do adversário.

Com isso, sobrou para a nossa seleção disputar o terceiro lugar com à Itália, partida ganha por 2 X 1. O Brasil, embora não chegasse à final, foi o único time invicto da competição, o que levou Cláudio Coutinho a dizer uma frase que se tornou celebre: “Fomos os campeões morais dessa Copa".

Mesmo com tudo de irregular que ocorreu na Copa, a imprensa e o público não perdoaram e Cláudio Coutinho foi considerado o grande culpado pela não conquista do título mundial. Depois da Copa, o treinador voltou ao Flamengo, deu a volta por cima e montou o time que chegou a ser considerado o melhor do mundo. No rubro-negro ganhou o tricampeonato estadual (1978-1979-1979, Especial) e foi Campeão Brasileiro em 1980.

Mesmo com grandes conquistas, Coutinho resolveu deixar o clube, magoado com a direção. Foi trabalhar nos Estados Unidos, mas deixou pronto para seu sucessor, Paulo Cesar Carpegiani, um super time, que em 1981, depois de vencer a Taça Libertadores da América, chegou ao título mundial de clubes.

Escaldado pela experiência e decepção da Copa na Argentina, ele reviu algumas idéias e realmente mudou todo o futebol brasileiro. No Flamengo, Coutinho conseguiu mostrar que era possível misturar seus avançados conhecimentos táticos com o talento individual, o que resultou em um uma equipe completa, um dos melhores esquadrões da história do futebol mundial em todos os tempos. Essa equipe, que jogava por música e com três ou quatro passes chegava ao gol adversário, durou até 1983, quando Zico foi vendido para a Udinese, da Itália.

Coutinho confidenciou a amigos que devia tudo o que era no futebol a Zagalo, a quem chamava de “mestre dos mestres”. Mas ainda assim teve que rever alguns conceitos, e talvez o tenha feito muito tarde. O treinador dizia que “se fosse hoje, ganhava fácil a Copa da Argentina. Talvez por inexperiência ou bobeira - sei lá - perdi o título”.

Em uma excursão do Flamengo por gramados da Hungria, Coutinho mostrou toda a sua inteligência. O time adversário costumava marcar homem a homem, pelo número da camisa. Esperto, o treinador brasileiro mandou o atacante Cláudio Adão entrar com a 2 e o Toninho com a 9. Na hora de começar o jogo, lá estava o Adão na lateral direita, e o Toninho junto do Zico. Todos acharam que o técnico havia pirado.

Mal a bola rolou e os dois trocaram de posição. Os gringos colaram nos jogadores errados. Quando eles viram a mancada, era tarde, o Flamengo já vencia por 2 X 0.
Claudio Coutinho dirigiu a Seleção Brasileira em 45 jogos, conquistando 27 vitórias, 15 empates e sofrendo apenas três derrotas. Já no Flamengo comandou o time em 76 jogos, com 47 vitórias, 20 empates e nove derrotas.

Seu sonho era voltar a dirigir a Seleção Brasileira, na Copa da Espanha. Mas a fatalidade não deixou. No dia 27 de novembro de 1981, quando se encontrava em férias no Rio de Janeiro, esperando o momento de ir trabalhar no futebol árabe, Coutinho, que era exímio mergulhador, praticava um de seus hobbies, a pesca submarina nas Ilhas Cagarras, arquipélago próximo a Praia de Ipanema, quando morreu afogado, aos 42 anos. Até hoje Claudio Coutinho é lembrado como um técnico que esteve a frente de seu tempo. (Pesquisa: Nilo Dias)

Claudio Coutinho, quando treinava o Flamengo.