Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

sábado, 26 de fevereiro de 2011

Craque, marinheiro e escoteiro

Benjamim de Almeida Sodré, o “Mimi Sodré” foi um dos primeiros ídolos da história do Botafogo, do Rio de Janeiro e uma das mais interessantes figuras do futebol brasileiro. Cearense de Mecejana, cidade próxima a capital Fortaleza, nasceu no dia 10 de abril de 1892. Era filho de Lauro de Almeida Sodré, destacada figura do escotismo brasileiro.

Desde menino que “Mimi” gostava de jogar futebol, tendo como companheiros das memoráveis peladas nos gramados da sua cidade natal, os irmãos Lauro e Emmanuel e as vezes o tio, também de nome Emmanuel.

Ainda criança mudou-se para o Rio de Janeiro e depois de terminar os estudos secundários prestou concurso para admissão na Escola Naval sendo aprovado em primeiro lugar. Fez brilhante carreira na Marinha Brasileira. Durante a II Guerra Mundial chefiou a Comissão Naval Brasileira. Tornou-se almirante de Esquadra em 1954.

Benjamim foi um dos sobrevivendo do naufrágio do rebocador “Guarany”, que no final de setembro e início de outubro de 1913, participava de exercícios de manobras da Marinha Brasileira na região da Ilha de São Sebastião, no Estado de São Paulo. Na madrugada do dia 3 de Outubro, a esquadra se preparava para realizar um combate simulado quando uma tragédia a atingiu.

O rebocador “Guarany”, que transportava a bordo mais de 50 pessoas entre oficiais e taifeiros, além de uma guarnição de guardas-marinha que assistiam as manobras, foi atingido duramente, a 10 milhas do farol da Ponta do Boi, pelo rebocador “Borborema”, do Lloyd Brasileiro.

O impacto foi forte, muitos dos tripulantes do rebocador foram atirados ao mar e, em apenas 2 minutos, a embarcação se partiu ao meio e naufragou, levando para o fundo muitos dos tripulantes que se encontravam em seu interior.

O ex-jogador dividia a paixão do Botafogo com outra, a Marinha. Mas a profissão não permitia atenção total ao futebol devido às viagens de navio. Mesmo assim, ele sempre procurava dar um jeito de jogar e treinar, o que não era fácil. Por isso muitas vezes perdeu jogos do Botafogo e até da Seleção.

Jogar futebol no início do século XX não era fácil. Amador e ainda sem muito prestígio, o esporte era uma espécie de hobby dos jogadores da época, que tinham outras profissões. Sem a organização dos tempos atuais, surgiram histórias interessantes envolvendo Mimi Sodré. Os mais antigos contavam que ele era habilidoso, rápido, inteligente, responsável e mais profissional do que muitos jogadores de hoje. Fazia jogadas que admiravam os torcedores botafoguenses.

“Mimi Sodré” foi o primeiro jogador do Botafogo a marcar um gol pela Seleção, mas não jogou por muito tempo, só até 1917. E não deixou de ter uma história curiosa em sua passagem pela seleção nacional, que dava os seus primeiros passos.

Ele não se dedicava mais ao scratch brasileiro porque a Marinha não deixava, precisava fazer as funções dele fora do Rio de Janeiro. Foi assim que aconteceu uma história bem interessante em Buenos Aires. “Mimi” chegou ao cais do porto e tinham uns cartolas do Brasil esperando por ele para jogar contra a Argentina. Foram até o comandante do navio e pediram para liberá-lo. Saíram de táxi e foram direto para o campo. E já levaram o uniforme dele para se vestir no táxi e jogar.

Talvez por conviver com a rígida disciplina militar, “Mimi Sodré” sempre demonstrou lealdade dentro e fora dos gramados. Um exemplo disso aconteceu em um jogo da seleção brasileira militar, contra a seleção militar chilena. “Mimi” teve um gol validado, não achou correto e avisou ao árbitro que usara a mão. O juiz então anulou o lance. Depois ele mesmo tratou de fazer a compensação, marcando um gol que valeu e que deu a vitória ao Brasil por 2 X 1.

“Mimi Sodré” foi campeão carioca de 1910, jogando pelo antigo Botafogo F.B.C., precursor do atual Botafogo de Futebol e Regatas. O título foi conquistado depois do time perder na primeira rodada e vencer os outros nove jogos disputados, quase todos por goleadas. Ao fim da competição marcou 66 gols, com média de 6,6 por partida.

Apesar de não ser o esporte favorito da população carioca no começo do século, o “foot-ball” levou cerca de 5 mil pessoas ao Estádio do Botafogo, na Rua Voluntários da Pátria, para ver a partida que decidiu o Estadual de 1910. Casa cheia às 15h45, hora exata em que a partida principal iniciou. Logo aos três minutos, Aberlado marcou. No intervalo, a vantagem do Botafogo já chegava aos 3 X 0.

Na volta, o Fluminense até descontou, mas, no fim, o massacre por 6 X 1 deu matematicamente o título carioca para o Botafogo. Com o término do duelo, os torcedores invadiram o campo para abraçar os jogadores de ambos os clubes. “Mimi Sodré”, e os irmãos Emmanuel e Lauro jogaram as dez partidas do Carioca e juntos marcaram 16 gols.

Além do título de 1910, “Mimi Sodré” foi campeão carioca em 1912, quando também foi artilheiro do campeonato com 12 gols. Ainda
jogou pelo América carioca.

Nos dias seguintes ao título, a imprensa adotou de vez o apelido “Glorioso”, que era falado por poucos, por causa da campanha impressionante. A alcunha pegou, tanto que as cartas enviadas a sede do clube na rua Voluntários da Pátria tinham como remetente apenas “Ao Glorioso”, sem o endereço da casa alvinegra. Atualmente, no lugar da primeira sede do clube, e do estádio do título de 1910, encontra-se a Cobal de Humaitá.

“Mimi” foi contra a profissionalização no futebol. Ele achava ridículo o clube tal comprar fulano, que o jogador trocasse de camisa. Ele não aceitava. O amor pelo Botafogo foi do começo ao fim. Passaram-se os anos e “Mimi Sodré” não abandonou o clube. Em 1941, tornou-se presidente do Botafogo Football Club para tentar acabar com uma crise interna. E não aceitava falta de respeito com os adversários nos jogos, principalmente quando jogava no estádio dos outros clubes.

Além de militar e futebolista, “Mimi” encontrou tempo para se dedicar ao escotismo, em memória de seu pai. E todos que o conheceram afirmavam que foi um grande seguidor dos ideais de Baden-Powell, participando da fundação e organização dos “Escoteiros do Mar”, o primeiro Grupo Escoteiro de Belém, da Federação de Escoteiros paranaenses e da União dos Escoteiros do Brasil, entre outros.

Escreveu o "Guia do Escoteiro" de 1925, até hoje uma das mais importantes obras do Escotismo brasileiro. Foi honrado com uma série de títulos, entre eles o de “Cidadão Honorário do Rio de Janeiro” e outros Estados e medalhas de mérito, presidindo a “Ordem do Tapir de Prata”, a mais alta condecoração do escotismo brasileiro. Foi professor de Astronomia, Navegação e História da Escola Naval, publicou diversos trabalhos e foi maçom

Faleceu em 2 de fevereiro de 1982, no Rio de Janeiro onde residia, pouco mais de dois meses antes de completar 90 anos. Atualmente vários Grupos Escoteiros, ruas e espaços municipais levam o nome de Almirante Benjamin Sodré, em sua homenagem.

O “Velho Lobo”, como era chamado pelos colegas escoteiros deixou dois filhos, seu Luiz Sodré, de 81 anos, e Dona Maria Pérola Sodré, de 88, ainda vivos e que se constituem na memória viva do pai. (Pesquisa: Nilo Dias)