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quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

A lenda mineira

Mário de Castro foi um dos melhores jogadores surgidos no futebol mineiro, em todos os tempos. Natural da cidade interiorana de Formiga, onde nasceu no dia 30 de junho de 1905, Mário de Castro era de uma família rica e tradicional do oeste mineiro. Seu pai, Lindolfo Rodrigues de Castro, era um senhor de vastas terras e muito influente e poderoso na cidade de Formiga.

Quando o Senhor Lindolfo morreu prematuramente, foi sua esposa e mãe de Mário de Castro que assumiu o comando da família. Em 1925, dona Regina enviou seu filho a nova capital para que o mesmo estudasse medicina. Em BH Mário logo procurou uma equipe para jogar.

E primeiro foi ao América que abriu as portas imediatamente. Afinal, Mario de Castro era rico e estudante de medicina, dois atributos essenciais para se ingressar no América que só exigia um ou outro. Só que Mário de Castro tinha os dois e mais um, era um craque de bola.

No América participou de alguns treinos e de repente sumiu para aparecer alguns dias depois no Atlético. Numa época em que o futebol ainda começava a se profissionalizar, o time do Atlético era composto, basicamente, por estudantes.

Mário de Castro começou o seu "reinado" em 1926 em um jogo válido pela decisão do campeonato mineiro daquele ano. O jogo era entre Atlético X América e o endiabrado Mário de Castro fez 3 gols da vitória atleticana por 6 X 3 e impediu que o “Coelho” conquistasse o seu décimo primeiro título consecutivo. Só isso já bastou para que Mário de Castro conquistasse o coração da Massa. Mas o artilheiro não se contentou e marcou mais 192 gols totalizando 195 em sua curta passagem de cinco anos pelo “Glorioso”.

Não foi fácil para Mário driblar a vigilância implacável de sua mãe, dona Regina Oliveira, que não queria ver o filho trocar as aulas de Medicina pelos campos de futebol. Por isso ele teve de apelar para a criatividade, achando uma forma de vencer a resistência materna. Em vez de Mário, passou a chamar-se Oiram, seu nome invertido, para que a mãe não descobrisse a falseta, ouvindo as partidas pelo rádio. Algumas vezes na hora da foto, cobria o rosto com a mão ou se escondia.

Mário por durante 2 anos conseguiu manter seu verdadeiro nome preservado. Mas a notícia de que o filho de dona Regina andava correndo atrás de uma bola na capital chegou a cidade de Formiga. Indignada, dona Regina resolveu ir até BH. Ia impor ao filho uma escolha. A bola ou os estudos.

O futebol ao contrário do começo do século já não era muito bem visto pela alta sociedade. Visão que piorou quando veladamente os jogadores de futebol passaram a receber dinheiro para jogar. Em BH em conversa com o filho, dona Regina viu que Mário ia bem na faculdade e que financeiramente poderia se manter na capital sem a ajuda da família.

Sem como impor suas condições, a mãe de Mário de Castro acabou por aceitar que o filho ficasse com a bola e os livros. Voltou para Formiga convencida que o futebol não era tão nocivo assim. E Oiram, ou melhor agora Mário de Castro continuou no Atlético.

Naquele tempo o Campeonato Mineiro era o campeonato de Belo Horizonte, que tinha o América como principal campeão, tendo vencido a competição por 10 vezes consecutivas, feito só igualado pelo ABC, de Natal (RN).

A mudança dos rumos do futebol da capital mineira começou a acontecer após a chegada de Mário de Castro no Atlético. Com ele, o “Galo” foi bicampeão em 1926 e 1927, e ele o artilheiro nas duas conquistas, com 21 e 28 gols respectivamente. Em ambos os campeonatos, somente não marcou na última partida, quando o time já era campeão.

Mário de Castro foi um craque fenomenal, chutava com os dois pés e os seus tiros tinham a precisão e a força que só os grandes jogadores têm. Foi um dos maiores artilheiros do futebol mineiro. Seus números são impressionantes. Nos 100 jogos em que comandou o ataque atleticano entre 1926 e 1931 - jogava-se pouco, naquele tempo - balançou as redes 195 vezes, o que dá uma média de 1,95 gols por partida, a maior conhecida entre atletas de futebol do Brasil e do mundo em todos os tempos.

Foi o terceiro maior artilheiro da história atleticana, atrás apenas de Reinaldo e Dario, que fizeram 255 e 211 gols, respectivamente. Sua melhor temporada foi a de 1927, quando marcou 44 gols, 28 deles pelo Campeonato Mineiro.

Diz a lenda que fez gols em todos os jogos em que atuou com a camisa atleticana. Isso, com certeza, é verdade. Ele mesmo dizia: “Eu marcava meus gols quase sempre no segundo tempo e não me lembro de ter passado uma partida sem marcar um gol". Quem o viu jogar garante que era incapaz de errar um chute a gol. Ou a bola entrava ou era defendida pelo goleiro. Para fora, ela nunca ia. Batia na pelota com elegância, tinha senso de colocação e era voluntarioso.

José Secundino, antigo torcedor do Atlético afirmava que além da precisão no chute, nunca viu outro atleta possuir tanta habilidade com os pés. E considerava Mário de Castro muito melhor do que Pelé. Secundino nasceu em 19 de agosto de 1904 e faleceu em 2005, pouco antes de completar 101 anos. Era o sócio de número 1130 do clube. Assistiu, "in loco", à inauguração do Estádio Antônio Carlos, no bairro de Lourdes, em 1929, e, durante 76 anos nunca deixou de assistir sequer uma partida. Nunca torceu para outro time.

A precisão do tiro era apenas um dos detalhes do talento daquele gênio. "Ele dava um chute forte e a bola pegava um efeito tão impressionante que voltava para seus pés", recorda Fileto de Oliveira Sobrinho, que jogou no Atlético em 1923 e 1924. "Os outros tentavam fazer igual, mas ninguém conseguia". Mário transformou-se em verdadeira lenda, capaz de escrever o próprio nome no campo com a bola, ao driblar os adversários!

No dia 27 de novembro de 1927 aconteceu um esperado clássico entre Atlético X América, no antigo campo da Avenida Paraopeba. O primeiro tempo terminou com o placar de 2 X 1 para o Atlético. Veio a segunda etapa e os gols foram saindo num ritmo alucinante: três, quatro, cinco... nove tentos para o “Galo”. Todo o ataque atleticano teve participação na goleada de 9 X 2. Os gols mais bonitos – dois – e quase todas as jogadas que resultaram naquela goleada histórica, saíram dos pés de um jogador esguio e elegante identificado pelos jornais da época pelo nome de Oiram.

A partida em que, ao lado de seus companheiros de ataque, ajudou a trucidar o America foi apenas uma entre os diversos confrontos memoráveis em que defendeu as cores alvinegras. Em 1929, o “Fabuloso”, como era conhecido, fez nova proeza ao assinalar dois gols na vitória do Atlético por 4 X 2 sobre o Corinthians. Essa partida marcou a inauguração do estádio Presidente Antônio Carlos Ribeiro de Andrada.

Sua última partida foi uma exibição de gala. Em 27 de setembro de 1931, no “Alçapão do Bonfim”, em Nova Lima o Atlético perdia do Villa Nova por 4 x 1, ainda na primeira etapa. De ressaca, Mário de Castro "andava" em campo. Insultado pela torcida do Villa, Mário de Castro foi para o intervalo, limpou o estômago (vomitou) e voltou para a segunda etapa e acordou: em apenas 15 minutos, ele marcou quatro gols seguidos.

O Atlético virou o jogo para 5 X 4 e conquistou o campeonato de forma inesquecível. Aí, o clima fechou no estadinho do Villa. Com o fim do jogo a delegação atleticana teve que fugir correndo da cidade com a torcida do “Leão” atrás. Até tiros foram dados e um torcedor do Villa Nova foi morto por um diretor atleticano. Para Mário de Castro esse fato foi um aviso que já era hora de parar e parou , aos 26 anos.

Assim era Mário de Castro, artilheiro de um tempo em que se jogava com amor à camisa, com o coração nas chuteiras e com o orgulho de se defender as tradições de seu clube. Era genial e genioso: de personalidade forte, não admitia que ninguém falasse mal do Atlético. E rejeitava a glória fácil em nome do respeito que ele e seu clube mereciam.

Mário formou com Said e Jairo, aquele que é considerado por muitos o melhor ataque do futebol mineiro em todos os tempos. O "Trio Maldito", como eram conhecidos os três atletas, foi responsável por 459 gols para o Atlético. Este trio, que imortalizou o seu nome no futebol mineiro, somente se reuniu novamente em 1998, após o falecimento de Mário de Castro. O craque foi enterrado no cemitério do Bonfim, em um túmulo próximo ao dos dois amigos.

Em 1929, o Fluminense do Rio veio a Belo Horizonte para contratar Mário de Castro, oferecendo-lhe cem contos de réis de luvas e dois contos de ordenados, para seguir com o clube carioca e se transformar em profissional. Mário não aceitou, encerrando as conversações. Mas os dirigentes do Fluminense não desistiram, pediram a Mário que desse o seu preço. Mário o fez: queria duzentos contos de réis depositados em um banco, e mais quinhentos mil réis por gol assinalado. Além disso, Mário fazia outra exigência: a de voltar do Rio quando bem entendesse. Diante destas exigências, o Fluminense acabou por desistir.

Em 1930, Mário de Castro foi convocado para participar da disputa da Copa do Mundo pela Seleção Brasileira. Foi o primeiro jogador de um time mineiro, e o primeiro jogador fora do eixo Rio-São Paulo a ser chamado para a Seleção Brasileira de futebol.

O jogo de inauguração do estádio de Lourdes, cuja grama ele ajudou a plantar, foi visto por um diretor da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), Horácio Werner, e por um representante da Associação dos Cronistas Desportivos do Rio de Janeiro, Aloysio de Hollanda Távora. Os dois ficaram estupefatos com o futebol do craque.

Dias depois, Mário de Castro recebeu o comunicado. Ele deveria se apresentar no Rio de Janeiro para integrar a Seleção. Seria o reserva de Carvalho Leite, atacante do Botafogo do Rio. Respondeu que só vestia a camisa do Atlético. Décadas mais tarde admitiu que talvez tivesse ido, se fosse na condição de titular. E, assim, o Atlético não teve representantes na primeira Copa do Mundo, a de 1930.

Após a Copa, a diretoria do Atlético desafiou o Botafogo para um jogo em Belo Horizonte, disputado em 30 de agosto de 1930. O time mineiro venceu por 3 X 2, e Mário de Castro marcou os três gols de sua equipe. Na revanche, na festa de inauguração dos refletores do estádio do Botafogo, no Rio de Janeiro, em 1º de outubro do mesmo ano, o Botafogo deu o troco: 6 x 3. Carvalho Leite, que não marcou no confronto em Belo Horizonte, fez três. Mário de Castro, dois. No final, o artilheiro do Atlético venceu o duelo por 5 X 3. Estava provado: Mário era o melhor.

O Atlético Mineiro foi sua única equipe oficial, entre os anos de 1925 e 1931, quando se formou em Medicina, deixando os gramados de Belo Horizonte. Não sem antes conquistar mais um título de campeão mineiro pelo Atlético, naquele que foi o último campeonato antes do profissionalismo. Com a camisa do “Galo” foi campeão mineiro em 1926, 1927 e 1931.

Voltou para Formiga, onde trabalhou como médico durante 22 anos, até se aposentar, prestando grandes serviços à população. Nunca largou o futebol. Continuou a atuar no time local enquanto teve condições físicas.

Fez sua despedida do Atlético Mineiro em um jogo no ano de 1940, contra o Madureira, do Rio de Janeiro. E Mário de Castro marcou a sua despedida com o seu gol de número 195. Encerrava-se ali, uma das mais marcantes carreiras de futebol em Minas Gerais.

Mário casou-se com uma das primeiras mulheres a se formar em odontologia no país, a doutora Maria de Lourdes Cavalcanti de Castro, que exerceu sua profissão até aposentar-se, mantendo seu próprio consultório. Tiveram dois filhos, Wander Mário, médico ainda em exercício e Vanda Maria, contabilista aposentada, e adotaram Antônio Rosa, já falecido.

Ainda acompanhava as partidas do Galo pela TV, em seus últimos anos de vida, irritando-se profundamente quando percebia que um jogador não dava tudo de si. Em 1998, Mário de Castro faleceu com 90 anos, em Lavras, na casa de seu filho. (Pesquisa: Nilo Dias)

Mário de Castro, em 1929.