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quinta-feira, 26 de abril de 2012

Lugano, o mito

Hoje, 26 de abril é o “Dia do Goleiro”. A homenagem começou na metade dos anos 70, por ideia do tenente Raul Carlesso e do capitão Reginaldo Pontes Bielinski, professores da Escola de Educação Física do Exército do Rio de Janeiro. Uma festar reunindo goleiros, ex-goleiros e pessoas ligadas ao futebol, no Rio, celebrou o primeiro “Dia do Goleiro, em 14 de abril de 1975”. Mas, a partir de 1976, definiu-se como o dia “oficial” a data de 26 de abril, em uma homenagem ao goleiro Manga, que na época era o campeão brasileiro pelo Internacional.

Mas não vou falar de Manga, embora eu seja torcedor do Internacional. Fazia tempo que eu queria escrever alguma coisa sobre um dos melhores goleiros surgidos até hoje no futebol gaúcho e brasileiro, o argentino Juan Héctor Lugano, chamado de “mito” por todos aqueles que tiveram a ventura de vê-lo jogar. Eu fui um deles. Era garoto, morava na minha cidade natal, Dom Pedrito, na região da Campanha do Rio Grande do Sul.

Naquele tempo os times de Bagé eram muito fortes e enfrentavam Grêmio e Internacional de igual para igual. O mapa do futebol gaúcho se resumia a Uruguaiana, Livramento, Bagé, Pelotas e Rio Grande. As equipes da Serra gaúcha, que hoje predominam no cenário futebolístico interiorano, naquela época praticamente não apareciam.

O argentino Lugano jogou apenas dois anos no Guarany F.C., de Bagé, em 1953 e 1954, trazido do E.C. Uruguaiana pelo treinador Alipio Rodrigues, que o viu em ação num jogo do Campeonato do Interior, em 1952. O Uruguaiana, jogando em casa, derrotou o Grêmio Bagé por 2 x 1. Uma semana depois, em Bagé, no Estrela D’Alva, o jalde-negro venceu por 1x0, gol de Osvaldo Cross. E Lugano teve atuação destacada nos dois jogos.

A estréia de Lugano pelo Guarany aconteceu em 7 de janeiro de 1953, na vitória de 3 x 1 sobre o Grêmio Portoalegrense, no festival de inauguração dos refletores do estádio Estrela D’Alva. No mesmo ano, em Porto Alegre, quando, pelo “Dia do Cronista”, o Guarany ganhou do grande time do Internacional com La Paz, Paulinho, Odorico, Salvador, Bodinho e tantos outros, por 3 x 2, Lugano defendeu um pênalti.

O árbitro mandou cobrar novamente, e o goleiro, em sinal de protesto, ficou encostado na trave. O Inter estava invicto há 30 jogos. Lugano foi a maior figura em campo. Ele era um goleiro espetacular. Tinha tanta confiança que costumava dizer: “Só não deixa chutar da área pequena. O resto é comigo”.

Embora seja considerado até hoje como o melhor goleiro que pisou nos gramados de Bagé, Lugano não conseguiu nenhum título pelo Guarany. O Bagé foi bicampeão em 53 e 54. E além do mais, o goleiro argentino levou o célebre gol dos 70 metros, num clássico Ba-Guá, em 1953. O zagueiro jalde-negro João Nascimento cobrou uma falta antes do meio do campo. A bola voou por todo o Estádio da Pedra Moura (do Bagé), e acabou entrando na meta de Lugano, dando a vitória ao Bagé por 1 X 0. O gol foi batizado de "o gol dos 70 metros".

Certa vez, num jogo contra o Pelotas, na Boca do Lobo. Era um time de respeito, tinha o Pacheco, Airton, Bentinho e tantos outros. Eles eram favoritos. O Lugano não queria saber. Disse que tratássemos de fazer um gol e deixássemos o resto com ele. Não deu outra. Bexiga, Athayde e Caboclo, todos defendendo, apenas o Nadir Fontoura na frente. O Lugano pegava tudo. E, numa cabeçada do Nadir, que depois jogou no Cruzeiro, de São Gabriel, o Guarany venceu por 1 X 0.

Lugano ganhou a fama de mau caráter, mas sempre foi um jogador de grupo, relacionando-se muito bem com os companheiros. No tempo que defendeu o Guarany, morava na sede do clube. Em 1953, primeiro ano em que Lugano foi seu goleiro, o Guarany teve uma campanha admirável em jogos amistosos.

Tinha um grande time, que ganhou inclusive da dupla Gre-Nal. Mas perdeu o citadino para o Bagé, que venceu por 1 x 0 e 4 x 1. Mas Lugano continuou sendo ídolo alvirrubro. Em 1954, em cinco clássicos Ba-Gua amistosos, o Guarany teve quatro vitórias, contra uma derrota e dois empates. No clássico do dia 31 de outubro, na “Pedra Moura”, o Guarany foi goleado por 4 x 1.

Em 1955 Lugano foi para o Rio de Janeiro, defender o Botafogo. Seu substituto no Guarany foi o uruguaio Oscar Modesto Rodrigues Urruty, que depois jogou em Pelotas e foi meu amigo durante os anos que resido na cidade “Princesa do Sul”. Outro dia prometo contar a história desse extraordinário goleiro.

Num dos primeiros jogos de Lugano no Rio, o “Glorioso” derrotou o Vasco da Gama por 3 X 2, quebrando um tabu de vários anos. Depois participou de uma excursão a Europa, sendo considerado o melhor goleiro que atuou na antiga Tchecoslováquia.

O avião que conduziu a delegação do Botafogo até a Europa, um pesado e resfolegante “Constellation”, da Panair do Brasil, chegou ao Aeroporto de Barajas, em Madrid, com algumas horas de atraso. A rigor, pode-se dizer que o Real Madrid já estava em campo enquanto os jogadores do Botafogo tiravam o paletó e a gravata do terno de viagem e colocavam às pressas o uniforme.

O torcedor madrileno já começara uma sonora vaia, reclamando do atraso, quando o Botafogo, com Lugano e Dino da Costa à frente, entrou em campo carregando a bandeira espanhola. Foi um sucesso. Vieram os aplausos, que se transformariam em espanto ao final da partida, quando os brasileiros, mais mortos do que vivos, arrancaram um inesperado empate de 2 X 2.

Em 1955 o Botafogo tornou a fazer uma excursão longuíssima e a primeira realizada na Europa. O jogo inicial ocorreu a 15 de Maio e o jogo final a 16 de Julho.


O Botafogo realizou jogos na Espanha (6), França (3), Dinamarca (1), Holanda (1), Suiça (1), Itália (2) e Checoslováquia (4), num total de 18 amistosos, isto é, cerca de dois jogos por semana, aproximadamente.

A excursão saldou-se por 11 vitórias, 5 empates e 2 derrotas tendo sido assinalados 54 gols e sofridos 28, à média de 3 gols marcados e 1,5 sofridos por jogo.

O time base que atuou na excursão era este: Lugano - Gérson e Nílton Santos - Orlando Maia - Ruarinho (Bob) e Danilo (Juvenal) - Garrincha - Dino -Vinícius - Quarentinha e Hélio (Neyvaldo).

Depois de deixar o Guarany no final de 1954, Lugano reapareceu na cidade em 1963, treinando no Bagé e acabando por ser contratado. Houve atraso na condição de jogo. Ele vestiu a camisa jalde-negra apenas uma vez, no dia 22 de setembro de 1963, na derrota de 2 x 0 para o São Paulo, em Rio Grande, gols de Carlos Alberto e Darcy. O time da época: Lugano - Saul Mujica – Barradinhas - Valdoma e Gabriel - Armando e Jara - Saul Andrade - Ivo Medeiros- Juarez e Danilo. Com a derrota, o Bagé ficou sem chances de classificação e, na rodada seguinte, entregou os pontos para o Bancário, de Pelotas.

Em novembro de 1963, na preliminar de um jogo entre Guarany X Rio Grande, Lugano vestiu a camisa do time amadorista do Bola Sete, quando se envolveu em discussão com um torcedor. Em 1964 foi acolhido no apartamento de Luiz Carlos Deibler, em Porto Alegre, a pedido de amigos. Ele passava por dificuldades financeiras.

Nos anos 80, Lugano, no Rio de Janeiro, Lugano foi encontrado pelo antigo amigo Antônio Maria Filho, como mendigo, morando nas pedras da Urca. Levado a um hospital, com tuberculose avançada, o ex-grande goleiro logo morreu. (Pesquisa: Nilo Dias)