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segunda-feira, 7 de maio de 2012

O artilheiro farrista

Jorge Augusto Ferreira de Aragão, o “Beijoca”, foi talvez o maior ídolo da história do E.C. Bahia. E também um dos personagens mais folclóricos e polêmicos a pisar nos gramados baianos em todos os tempos. Ele nasceu em Salvador (BA), no dia 23 de abril de 1954. Começou a carreira no próprio Bahia, em 1969. Era grande, desengonçado, violento, nervoso, boêmio, mas sobretudo raçudo e marcava gols como ninguém.

Embora não tenha participado de nenhuma das duas maiores glórias do clube, a Taça Brasil de 1959 e o Campeonato Brasileiro de 1988, “Beijoca” sempre mostrou raça e vibração, qualidades exigidas pela fanática massa torcedora do Bahia. O apelido veio em razão do costume de mandar beijinhos para a torcida, a cada gol que marcava.

Nos sete anos que defendeu o tricolor baiano (1969, 1970, 1975, 1976, 1977, 1978 e 1984), “Beijoca” marcou nada menos do que 106 gols, figurando entre os maiores artilheiros da história do clube. Comemorou seis títulos de campeão baiano (1970, 1975, 1976, 1977, 1978 e 1979). Seu jeito aguerrido dentro de campo foi fundamental para que conquistasse a admiração da torcida. Brigava com os adversários e árbitros. Fora dos gramados, pelas farras, que não foram poucas. Ele mesmo costumava dizer: “nasci para duas coisas farrear e marcar gols”. E ainda sofria com o alcoolismo.

O jornalista Bob Fernandes, em seu livro “Bora Bahêeea!”, que conta a história do Bahia,conta que “Beijoca”, na véspera de uma decisão de Campeonato Baiano contra o Vitória, se esbaldou na noite de Salvador e chegou bêbado pela manhã na concentração. O técnico era Orlando Fantoni e a partida contra o Vitória valia o tetracampeonato estadual.

“Beijoca” seria afastado da partida, mas acabou sendo perdoado, embora o cartola Paulo Maracajá tenha garantido, naquele momento, que iria mandar o artilheiro embora após a finalíssima. Então, “Beijoca” pediu para tomar mais uma geladinha - "pra rebater" - e foi atendido. No jogo, Jesum, ponta-esquerda que fez fama na Bahia e defendeu o Cruzeiro mais tarde, driblou seu marcador e cruzou. Beijoca, de peixinho, mergulhou para marcar o gol do título. Resultado: foi perdoado.

Apesar de gostar da vida noturna mostrou sempre disposição dentro de campo. São incontáveis as vezes em que fugiu da concentração, para se envolver em brigas nas casas noturnas e ser “resgatado” por dirigentes. Mas nunca deixou de jogar no dia seguinte e esbanjar raça, sangue, suor, lágrimas e beijinhos nas comemorações dos gols, para delírio dos torcedores.

Sua identificação com a massa torcedora era tanta,que a música líder das paradas de sucesso, na época falava do artilheiro: “Eu quero ver Beijoca jogando bola, eu quero ver Beijoca bola jogar”. “Beijoca” retribuía tanto carinho, que após os jogos comemorava as vitórias realmente nos “braços do povo”, descendo a ladeira do Otávio Mangabeira abraçado aos torcedores.

Além do Bahia jogou nos seguintes clubes: São Domingos (AL): 1971-1972; Fortaleza (CE): 1973-1974; Sport (PE): 1977; Flamengo (RJ): 1979; Catuense (BA): 1980-1981; Fortaleza (CE): 1982; Vitória (BA): 1983-1984; Leônico (BA): 1985; Fluminense (BA): 1985; Sergipe (SE): 1985; Mogi Mirim (SP): 1986; Londrina (PR): 1987; Guaratinguetá (SP): 1988; Gama (DF): 1989 e Camaçari (BA): 1990, quando encerrou a carreira de jogador.

Sua passagem pelo Flamengo ficou marcada pelo soco desferido em Mococa, do Palmeiras, ao entrar no segundo tempo da partida em que sua equipe perdia por 4 X 1, em pleno Maracanã. Muitos afirmam que o técnico Cláudio Coutinho mandou que ele entrasse e fizesse isso, o que o próprio “Beijoca” nega. O Lendário ex-jogador atuou pelo clube da Gávea em apenas nove jogos, período em que fez apenas um gol, em 11 de Novembro de 1979, contra o Náutico pernambucano.

Outra ocasião, quando ainda defendia o Bahia, num jogo contra o Fluminense teve uma briga generalizada, e “Beijoca” deu um soco em um jogador chamado Oliveira, que teria perdido a visão. E mais: “No Carnaval, quando saia no bloco “Muquiranas”, alguém caiu em um tacho de acarajé. Falam que “Beijoca” pegou o tacho fervendo e jogou em uma pessoa, fato que ele nega veementemente.

Depois que deixou os gramados, “Beijoca” chegou a ensaiar uma carreira de treinador, nos times do Ipitanga, de Senhor do Bonfim (BA) e do Camaçari (BA), porém sem sucesso. Foi auxiliar técnico do Bahia na temporada de 2007, quando a equipe subiu da Série C para a Série B do Brasileiro e se manteve no cargo em 2008, na passagem de Paulo Comelli. No mesmo ano, candidatou-se a vereador em Salvador, mas não foi eleito.

O “Beijoca” farrista de antes, não existe mais. Acreditem, virou pastor evangélico. E diz ter encontrado a salvação através de Jesus Cristo, de Sua palavra e do seguimento daquilo que está na Bíblia Sagrada. Garante que agora é um novo homem, mais maduro, consciente e próximo de Deus e da família. Essa atitude tomada por “Beijoca” foi fundamental em sua vida de ex-atleta. Teve momentos que pensou até em se suicidar. A salvação foi se tornar evangélico, anos atrás. As pessoas pensavam que ele ia morrer bebendo depois que parasse de jogar. Mas tudo foi diferente: mudou para melhor, se converteu, parou de beber e hoje prega nas igrejas.

Mas isso não aconteceu tão rápido. “Beijoca” ainda trilhou um caminho de dificuldades, envolvido com farras, prostitutas, bebidas, drogas, muitas brigas, até se tornar missionário. Antes havia chegado ao fundo do poço. Perdera tudo, ficando sem condições até de pagar um aluguel de 50 ou 70 reais. Passou a morar de favor com a mulher e o filho.

Religioso, é verdade, mas continua polêmico. Prova disso as declarações que fez ao jornal “Lance”, garantindo que foi mais jogador que Ronaldo “Fenômeno”. “Eu chutava com as duas pernas, era habilidoso, apesar de forte, e fatal nas finalizações, além de ser um exímio cabeceador. Fui, portanto, mais completo e melhor que ele.”

Em 2004, quando completou 50 anos, foi homenageado pelo Bahia. Entrou em campo com a camisa 9 que o consagrou, antes de uma partida na Fonte Nova, e foi ovacionado pela torcida. (Pesquisa: Nilo Dias)