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domingo, 5 de agosto de 2012

Vitor Baptista, o gênio louco

Vitor Baptista poderia ter sido o maior craque do futebol português em todos os tempos, a frente de Eusébio. Poderia, mas não foi. E por um motivo muito simples, deixou-se envolver pelas drogas, o álcool, as mulheres e o mundo do crime. Talvez porque alcançou a fama e ganhou muito dinheiro cedo demais. Tudo terminou para ele de forma trágica, esmolando na rua, pouco tempo antes de morrer.

Ganhou notoriedade pela sua genialidade, excentricidade, irreverência e imprevisibilidade, pois não tinha muita disciplina táctica. Isso tudo contribuiu para que ele conseguisse pular da glória à tragédia em minutos. Foi várias vezes preso, trabalhou como jardineiro, em cemitérios e como funcionário da Câmara de Setúbal para limpar as ruas. Era no Estádio da Luz, do Benfica, que dormia. Acabou sem nada, quando poderia ter tido tudo e nada conquistou.

Seu nome completo: Vitor Manuel Ferreira Baptista. A sua vida não foi nada fácil no início. Oriundo de uma família de classe operária e de pescadores, Vítor Baptista precocemente teve de começar os seus primeiros passos no mundo do trabalho árduo, primeiramente como eletricista e, mais tarde, como ajudante de marceneiro, para ajudar nas despesas de casa.

Com apenas dez anos de idade, o ainda precoce Vítor Baptista ganhou os seus primeiros trocado, levando recados de prostitutas locais, bem como, apanhando moedas que eram jogadas em uma fonte de água.

Aos 16 anos, quando trabalhava de aprendiz de eletricista e nas horas vagas jogava futebol de salão, chamou a atenção de dirigentes do Vitória, de Setubal que o contrataram por 500 escudos por mês e refeições pagas na Pensão Vitória. Talvez a perda do pai ainda cedo, tenha contribuído para tudo que aconteceu de ruim na sua vida.

Contam que num torneio de Futebol de Salão onde foi o segundo artilheiro, ficando atrás apenas de Quinito, que mais tarde foi treinador de futebol, deu o passo decisivo para a carreira de futebolista. Os olheiros do Vitória nem ficaram muito entusiasmados com ele, mas a insistência do jovem rebelde o levou ao time de Setubal.

Aos 18 anos já era titular absoluto da equipe setubalense, tendo vencido uma Taça de Portugal. Foi quando o técnico José Maria Pedroto o convocou para a seleção nacional de Juniores.

Não demorou para chamar a atenção do Benfica, clube para quem se transferiu na maior transação do futebol português na época. O passe de Baptista custou aos cofres benfiquenses três mil contos e mais três jogadores, entre eles o lendário José Torres. Os outros dois foram Praia e Martine. Baptista recebeu luvas no valor de 750 contos e um salário de 8 contos de réis. No Vitória ganhava 2 contos e 500 por mês.

Nesse tempo Vitor Baptista era ainda uma espécie de “menino grande. Para ele, a vida era uma brincadeira, um grande jogo. Tinha coração de ouro, dava a camisa pelos amigos, mas não levava as coisas a sério. Isso haveria de lhe ser fatal.

Uma das muitas histórias que contam sobre Baptista aconteceu num jogo no Estádio das Antas. O técnico Pedroto, no intervalo de uma partida contra o Porto, acendeu um cigarro com um isqueiro de ouro que Vitor Baptista cobiçou. O técnico prometeu-lhe a preciosidade se ele fizesse dois gols. E marcou mesmo, e ao segundo correu para o banco de reservas a reivindicar o prêmio.

Uma das histórias mais impressionantes ocorridas com Baptista aconteceu num clássico contra o Sporting. O atacante do Benfica recebeu uma bola no peito, deu um lençol num adversário, driblou outro e desferiu um petardo para o fundo da rede. Foi quando notou que havia perdido um brinco de ouro e diamante, que custou mais de 10 contos, quantia expressiva para a época. Baptista fez o jogo parar e os atletas dos dois times, o juiz Rosa Santos e os bandeirinhas procuraram a jóia por longos 15 minutos, sem sucesso. Ao final do jogo reclamou: “O brinco valia 12 contos e o prêmio do jogo só 8”.

Ainda assim, pegou seu carro e foi para um restaurante, onde pediu um vinho da melhor qualidade e uma lagosta. Como virou atração e todos os clientes não lhe tiravam o olhar, bebeu o vinho de um só gole e foi embora.

No Benfica ele alternou momentos de rara qualidade com outros que haveriam de o levar à decadência: muitos foram os episódios envolvendo dinheiro, carros, álcool, mulheres e drogas, enfim um cocktail verdadeiramente explosivo e pouco condizente com a vida de um profissional de futebol.

Mesmo jogando em Lisboa, Vítor Baptista preferia morar em Setubal. Comprou um carro “Jaguar” por 150 contos e nos primeiros tempos arranjou um motorista para o conduzir aos treinos. Um motorista com boné, para delírio dos gozadores companheiros de equipe..

Contam que depois dos treinos do Benfica, Vítor Baptista costumava dar algumas voltas com seu “Jaguar”, em redor do Estádio da Luz. Dizia que não era por vaidade, mas sim para secar o cabelo.

Em Outubro de 1976, Vítor Baptista ao renovar seu contrato com o Benfica, deu uma a entrevista ao jornal “A Bola”, quando disse que era o melhor jogador português, citando outros bons, como o Chalana, mas afirmando que ele era o melhor. Foi quando começou a surgir uma lenda no cenário futebolístico português.

O homem era mesmo bom de bola. E também mestre em soltar pérolas como esta, em que, a propósito de um gol que tinha sido atribuído a Eusébio: "O gol foi meu. Eu tava entalado junto à linha de fundo e vi logo que se passasse a bola ao Eusébio ele a perderia. Por isso, fiz pontaria na cabeça do “gajo” e rematei com força. A bola só tabelou na cabeça dele, portanto o gol é meu!"

Suas atitudes impressionavam, parecendo agir como se estivesse fora do normal. Talvez por efeitos das drogas. Um dia amarrou um cão a trave de uma goleira do Estádio da Luz, antes de um treino matinal do Benfica, com os companheiros, direção técnica e alguns torcedores todos de boca aberta, face tamanha atitude. Já ninguém ligava para os seus atos. Houve um jogo em Portimão, que Victor Batista foi expulso por cuspir em um adversário. Mesmo com 10 jogadores em campo, o Benfica acabaou por vencer a muito custo.

Na sua irreverência, Vítor Baptista quando não era escalado para sair jogando, pegava o que era seu e ia embora. Nunca aceitou ser reserva.

No primeiro jogo do Benfica contra o Liverpool, pelas eliminatórias da “Taça dos Campeões da Europa” de 1978, Baptista não quis jogar e simulou uma lesão, fato que quase causou sua expulsão do clube. Isso não aconteceu porque os jogadores Humberto e Toni, seus grandes amigos, evitaram. Esse foi um dos momentos mais difíceis da relação entre Vitor Baptista e o Benfica. O Benfica perdeu o jogo. O jogador Toni confessou à imprensa que a lesão de Baptista era simulada e que ele era um ingrato em relação ao Benfica.

Tudo aconteceu porque ele pediu um “Porsche Carrera” e 650 contos mensais para renovar contrato com o Benfica. O clube concordou em dar o carro, mas não aceitou as pretensões salariais, oferecendo 550 contos. Baptista não quis e logo depois do jogo contra o Liverpool preferiu voltar ao Vitória, de Setubal para ganhar 100 contos de réis por mês. Foi o início do fim.

O primeiro gol que marcou pelo Benfica foi exatamente contra seu ex-clube, o Vitória, de Setubal. Ao longo das sete temporadas em que defendeu o Benfica, participou de 150 jogos oficiais, tendo marcado 62 gols. O seu último gol pelo Benfica foi frente ao rival Sporting num jogo realizado no Estádio da Luz a 12 de Fevereiro de 1978.

Quando dessa sua nova estada no Vitória, dois companheiros de equipe contam que o viram frente a um espelho, dizendo para si mesmo: “Ó meu Deus, porque me fizeste tão belo?" Foi quando nasceu o apelido de “Meu Deus”. E devido a algumas fanfarronices, também lhe chamavam de “Gargantas”. Ainda ganhou outros apelidos: ”O rapaz do brinco” e “O rapaz dos pés de ouro”. Mas para si mesmo era apenas “O Maior”. E isso resumia a sua vida. O maior, para o bem e para o mal.

Depois foi para o Bessa, onde, para variar também se desentendeu com relação a salários. Nesse tempo já andava envolvido com drogas pesadas.

Numa excursão do Benfica à Russia recusou-se a entrar em campo, pois os russos pareciam-lhe amadores, e ele dizia que só jogava contra profissionais. Apresentou-se no aeroporto vestindo calças rotas, enquanto todos os outros jogadores vestiam ternos. E não atendeu aos apelos dos companheiros para que trocasse de roupa.

No regresso a Portugal, organizou uma tourada em Setubal. Estádio cheio, com populares lotando às arquibancadas. Eis que de repente aparece Vitor Baptista sobressaltado. Tinha-se esquecido dos touros.

Quando jogou no Boavista, aparecia nos treinos de “Jaguar”, vestido com terno, gravata e chinelos de dedo. No União de Tomar, onde também jogou, reza a lenda que expulsou várias vezes o treinador do vestiário, pois simplesmente não gostava de ouvir sua voz.

Em 1980, a convite de António Simões, foi parar no San Jose Earthquakes, nos Estados Unidos, onde jogou com George Best, Guus Hiddink, Milan Mandaric e Bill Foulkes, entre outros. Apesar do contrato de 2,5 milhões de dólares e de um luxuoso “Corvette” conversível, Baptista não ficou muito tempo por lá: foram apenas dois jogos e o regresso a Lisboa.

Em Portugal jogou ainda no Amora, no Montijo, na Universidade Tomar, no Monte da Caparica e acabou nos regionais, defendendo o amador Estrelas do Faralhão, onde ganhava só para comer. Nesses clubes quase nunca viu a cor do dinheiro. Para alimentar a dependência da droga e do álcool começou a roubar, sendo preso várias vezes. Mas não deixou nunca de ser um rebelde, um gênio louco, que brigava facilmente com os seus treinadores.

Alguns exemplos: Mário Wilson em 1975, John Mortimore e José Maria Pedroto em 1976 e Juca, que era o técnico da seleção português, em 1977. Com este passou todos os limites. Chegou atrasado ao treino e ainda insultou o técnico, chamando-o de maluco, na frente dos colegas de time. Jogou pela seleção portuguesa em apenas por onze vezes. Devido a esse desentendimento com Juca, foi afastado definitivamente da representação nacional.

Vitor Baptista nasceu em São Julião / Setúbal, Portugal, no dia 18 de Outubro de 1948 e faleceu a 1 de Janeiro de 1999, aos 50 anos de idade, devido a um acidente vascular cerebral. A sua morte foi confirmada pelo diretor do Hospital Distrital de Setúbal, às 11h20min da manhã de 1 de Janeiro de 1999, após ter sido hospitalizado nas vésperas de Ano Novo, em pleno estado de coma.

Ele foi sepultado no dia seguinte no cemitério de Algeruz, na sua terra natal, Setúbal. Muitos foram os que se fizeram presentes ao ato. Por ser uma das lendas do futebol português, todos os jogos da primeira divisão começaram com um minuto de silêncio, em sua homenagem.

Tinha 1,78 m, pesava 76 quilos e jogava como atacante. Em sua atribulada carreira defendeu os seguintes clubes:

1966/1967, Vitória, de Setubal, nenhum jogo e nenhum gol. 1967/1968, Vitória, de Setúbal, 15 Jogos e nenhum gol. 1968/1969, Vitória, de Setubal, 17 jogos e nenhum gol. 1969/1970, Vitória, de Setúbal, 22 jogos e 11 gols. 1970/1971, Vitória, de Setubal, 26 jogos e 22 gols. 1971/1972, Benfica, 17 jogos e 9 gols. 1972/1973, Benfica, 14 jogos e 6 gols. 1973/1974, Benfica, 21 jogos e 9 gols. 1974/1975, Benfica, 23 jogos e 3 gols. 1975/1976, Benfica, 16 jogos e 9 gols. 1976/1977, Benfica, 6 jogos e 6 gols. 1977/1978, Benfica, 15 jogos e 8 gols. 1978/1979, Vitória, de Setubal, 19 jogos e 7 gols. 1979/1980, Boavista, 15 jogos e 8 gols. 1980, San Jose Earthquakes (EUA), 2 jogos e ? gols. 1980/1981, Amora, 4 Jogos e nenhum gol. 1981/1982, Montijo (jogador e treinador), ? jogos e ? gols. 1982/1983, Universidade Tomar, ? jogos e ? gols. 1983/1984, Monte da Caparica, ? jogos e ? gols. 1985/1986, Estrelas Faralhão, ? jogos e ? gols. E encerrando a carreira, 1984/1985, Estrelas Faralhão, ? jogos e ? gols. Estava com 37 anos de idade.

Títulos conquistados: Taça de Portugal, em 198/1967, pelo Vitória, de Setubal; Campeonato de Portugal, pelo Benfica: 1971/72, 1972/73, 1974/75, 1975/76, 1976/77 e Taça de Portugal, também pelo Benfica, em 1971/72.

A fama de Vitor Baptista foi tão grande, que mereceu até uma música, de autoria de José Jorge Letria (letra) e Vitorino (música). “Rapaz do brinco”:

Eras o rapaz do brinco/Eras o herói da tarde/Driblador cheio de afinco/Médio seguro ou trinco/Da alegria dessa idade/Eras a festa do jogo,/Com o resultado incerto,/Entre a água e o fogo,/Adeus Vítor até logo/Que a vitória andou perto.

Eras o brinco perdido/Na parcela do relvado/Onde em sonhos tidas lido/As promessas sem sentido/De um contrato renovado.

Eras o ponta de lança/Da infância sem ternura,/O campeão que foi esperança/E essa eterna criança/Sempre às portas da loucura/Foste a sombra do que eras,/A carreira interrompida,/Gazela no meio das feras,/A ruína das quimeras,/Destroço de um fim de vida.

Foste esse brinco perdido/Em grande tarde de glória/E podias ter vencido,/Mesmo vergado e rendido/Pelas traições da memória.

Foste o brinco jóia rara/Desse tempo de conquista;/A loucura sai tão cara/E se a grandeza é tão rara/Que viva o Vítor Baptista.

Desperdiçou dinheiro aos montes, envolveu-se em crimes, foi preso e nunca largou o consumo excessivo de drogas. Toda a gente o tentou ajudar, mas ele nunca resistiu aos apelos da má vida. Um dos melhores exemplos de um colega que sempre o admirou e quis ajudar foi Toni que chegou a dizer: “ele poderia estar coberto de ouro, tal era o seu talento, mas deixou-se levar por pessoas que se diziam amigas e a droga o destruiu”.

Vitor Baptista também foi tema de um livro que retrata e descreve a vida e a carreira desportiva de um homem e extraordinário jogador de futebol, cuja trajetória e percurso futebolísticos foi feito de altos e baixos, de glórias e tristezas, acabando por culminar de forma dramática, para não dizer trágica, na morte, aos 50 anos.

O livro que tem como título ”Vitor Baptista o Maior” começa com uma introdução na qual é registrada a vida e a carreira de Vítor Baptista, tendo o autor e jornalista Frederico Duarte Carvalho (do semanário "Tal&Qual") consultado jornais desportivos da época. A seguir, é apresentada uma longa entrevista de 5 horas de duração, feita pelo autor ao próprio Vítor Baptista, por sinal a última entrevista dada por este em vida, a qual se realizou na Páscoa de 1998, poucos meses antes da sua morte. E o livro termina apresentando uma biografia do jogador, com fotos de arquivo dos jornais "Record" e "O Benfica", do "24 Horas" e do semanário "Tal&Qual".

A vida atribulada e acidentada que Vítor Baptista levou e que o conduziu a uma morte prematura, e acima de tudo a um final de vida degradante e humilhante, deve servir de alerta e um sério aviso para muitos jovens jogadores que enveredam pelo futebol profissional, no sentido de não incorrerem nos mesmos erros e tentações daquele grande jogador dos anos 70. (Pesquisa: Nilo Dias)