Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

O torcedor maldito (I)

Nelson Rodrigues nasceu da cidade do Recife (PE), em 23 de agosto de 1912. Foi o quinto filho dos 14 que o casal Maria Esther Falcão e o jornalista Mário Rodrigues colocaram no mundo. Além dele, os irmãos Milton, Roberto, Mário Filho, Stella e Joffre, também nasceram na capital pernambucana. Já Maria Clara, Augustinho, Irene, Paulo, Helena, Dorinha, Elsinha e Dulcinha nasceram no Rio de Janeiro.

Durante três capítulos contarei a história daquele que foi chamado de “maldito”, por questionar os valores morais de uma sociedade que vivia da aparência. Nelson foi o autor de textos como “Bonitinha, mas ordinária”, “Vestido de Noiva” e “Os sete gatinhos”. Nos jornais, escreveu as crônicas de “A vida como ela é”.

No esporte, entretanto, foi o primeiro autor a enxergar o verdadeiro papel que o futebol desempenha para a definição da idéia de “ser brasileiro”. Nelson escreveu frases antológicas dentro e fora do esporte. Eis algumas:

“O Fla X Flu nasceu 40 minutos antes do nada.“, “Em futebol, o pior cego é o que só vê a bola”; “Se o Fluminense jogasse no céu, morreria para vê-lo jogar”; “O Flamengo tem mais torcida, o Fluminense tem mais gente”; “O Fluminense é o único time tricolor do mundo. O resto são só times de três cores”; “Sou tricolor, sempre fui tricolor. Eu diria que já era Fluminense em vidas passadas, muito antes da presente encarnação”; “Pode-se identificar um tricolor entre milhares, entre milhões. Ele se distingue dos demais por uma irradiação específica e deslumbradora”; "Grande são os outros, o Fluminense é enorme”. E por aí vai.

Mario Rodrigues, pai de Nelson era deputado e jornalista do “Jornal do Recife”. Em razão de problemas políticos teve que se mudar para o Rio de Janeiro, onde conseguiu trabalho como redator parlamentar do jornal “Correio da Manhã”. Isso em 1916. Depois sua esposa dona Maria Esther e os filhos chegaram ao Rio de Janeiro a bordo de um vapor do Lloyd.

Para cobrir as despesas de viagem venderam tudo o que tinham no Recife. No Rio de Janeiro a família ficou hospedada na casa de Olegário Mariano por algum tempo. Em agosto do mesmo ano conseguiram alugar uma casa na Aldeia Campista, bairro da Zona Norte da cidade, na rua Alegre, 135, atual rua Almirante João Cândido Brasil.

Nelson costumava dizer que seu grande laboratório e inspiração foi a infância vivida na Zona Norte da cidade. De lá saíram para suas crônicas e peças teatrais as situações provocadas pela moral vigente na classe média dos primeiros anos do século XX, e suas tensões morais e materiais. Sua infância foi marcada por este clima.

Era um garoto retraído e um leitor compulsivo de livros românticos do século XIX. Nesta época ocorreu também para Nelson a descoberta do futebol, uma paixão que o acompanharia por toda a vida e que lhe marcaria o estilo literário. E passou também a torcer pelo Fluminense, junto com o irmão Mário Filho. Mas não iam aos jogos porque não tinham dinheiro para tal.

Em 1919, quando completou sete anos, foi matriculado na Escola Prudente de Morais, que ficava próxima da sua casa. Aprendeu a ler rapidamente, recebendo muitos elogios da primeira professora, dona Amália Cristófaro.

Certa ocasião Nelson causou espanto na escola, ao escrever uma redação em que contava um caso de adultério, seguido de morte. Fatos como esse se tornaram mais tarde, marca registrada do escritor.

Em 1922, Mário Rodrigues mudou-se para a Tijuca, o que evidenciava uma grande melhoria de vida. Como seu pai estava sempre envolvido em política e jornalismo, Nélson seguia sua vida de estudante, até que em 1926 foi expulso por rebeldia, do Colégio Batista, na Tijuca, quando cursava a 2ª Série do Ginasial. Depois desse episódio, teve que ser matriculado no Curso Normal de Preparatórios, na rua do Ouvidor, pois seu pai queria que futuramente ele prestasse exames no renomado Colégio Pedro II.

Nélson seguidamente visitava o pai que chegou ao cargo de diretor no jornal, mas este não queria que seus filhos seguissem a carreira de jornalista. Sonhava em ver Nelson e seus irmãos como advogados e as meninas médicas.

Em 1924 Mário envolveu-se em uma batalha entre Epitácio Pessoa e Artur Bernardes, o que lhe custou um ano de cadeia. Tudo porque noticiou que usineiros pernambucanos haviam presenteado a esposa do presidente Epitácio Pessoa, dona Mary, com um colar no valor de 120 contos de réis. Antes de ser preso, Mário e a família tinham se mudado para uma casa na rua Inhangá, próxima ao Copacabana Palace.

Com a prisão, Mário deixou de receber o salário do jornal. A esposa recebia apenas o suficiente para pagar o aluguel da casa. Quem ajudou o jornalista nesse período de dificuldades foi Geraldo Rocha, dono do jornal “A Noite”, concorrente do “Correio da Manha”. Não fosse isso, com certeza sua família teria passado fome.

Ao ser libertado, e de volta ao jornal, Mário pediu demissão porque o dono do “Correio da Manhã” estava tentando se aproximar de seu desafeto, Epitácio Pessoa. Foi quando surgiu o seu próprio jornal, “A Manhã”. Nelson foi trabalhar no jornal de seu pai, como repórter policial, com um salário de 30 mil réis por mês. Tinha pouco mais de 13 anos.

O jornal tinha colaboradores ilustres como Antônio Torres, Medeiros e Albuquerque, Agripino Grieco, Ronald de Carvalho e Maurício de Lacerda. Além desses, havia a turma da casa: Danton Jobim, Orestes Barbosa, Renato Viana, Joracy Camargo, Odilon Azevedo e Henrique Pongetti. Outra figura de “A Manhã” era Apparício Torelly, que mais tarde se autodenominaria "Barão de Itararé".

Nelson chegou a criar um tablóide de quatro páginas, de nome “Alma Infantil”, nascido da troca de correspondências com seu primo Augusto Rodrigues Filho, que não conhecia pessoalmente e que morava no Recife. Ele sonhava ser como seu pai, um espadachim verbal. Depois de cinco números e muitos ataques a políticos pernambucanos e cariocas, Nelson desistiu do tablóide.

A irmã Dorinha morreu em setembro de 1927, aos nove meses, vitima de gastrenterite. Em 1928 a família se mudou para uma nova e luxuosa casa na rua Joaquim Nabuco, 62, em Copacabana. Foi uma época em que esbanjaram dinheiro e fartura.

Nelson e seus irmãos mais velhos trabalhavam no jornal “A Manhã”. Milton era o secretário, Roberto ilustrava algumas reportagens, Mário Filho começou como gerente, indo depois para a página literária e posteriormente a de esportes. Nelson havia abandonado desde 1927 a terceira série do ginásio no Curso Normal de Preparatórios. Nunca mais voltou à escola.

Com uma coluna assinada na página principal, Nelson publicou o seu primeiro artigo em 7 de fevereiro de 1928, com o título "A tragédia de pedra...", com reticências e tudo. Depois, em outro artigo criticou duramente a Ruy Barbosa, a “Águia de Haia”. Seu pai não gostou e Nelson perdeu o espaço na página 3, voltando a ser repórter policial pelos cinco meses que se seguiram.

Quando voltou a publicar sua coluna na página três, o jornal se encontrava mal administrado e cheio de dívidas. O sócio de seu pai, Antônio Faustino Porto, que há tempos vinha arcando com os pagamentos urgentes, tornou-se sócio majoritário e ofereceu o emprego de diretor a Mário. Este aceitou, mas ficou só um dia. A intervenção do novo dono em seus artigos fez com que ele e a família deixassem o jornal.

Amigo de Melo Viana, vice-presidente da República, no dia 21 de março de 1928, quando completou 43 anos, e apenas 49 dias depois de perder o jornal “A Manhã”, Mário Rodrigues lançou seu novo jornal, “Crítica”, que alcançou grande sucesso, chegando a ter uma circulação diária de 130 mil exemplares.

Desconfiado de que um membro da família Rodrigues tivesse envolvimento na morte do argentino Carlos Pinto, repórter de “A Democracia”, o tenente-coronel Carlos Reis mandou a Polícia prender todos os Rodrigues que encontrasse. Foram, pai e irmãos, todos presos. Nelson escapou por não se encontrar no Rio, em viagem para o Recife. Estava em um estado depressivo, por não saber ao certo por quem estava mais apaixonado: Lilia, Carolina ou Marisa Torá, estrela da companhia teatral de Alda Garrido.

Ao lado dos primos Augusto e Netinha, com quem manteve durante algum tempo um namoro epistolar, conheceu Recife e Olinda, a praia da Boa Viagem e, com Augusto, a zona de mulheres do Cais do Porto, considerada a maior da América do Sul. Sua prima, não se sabe como, tirou-o da depressão, fazendo-o voltar a todo vapor para a redação da “Crítica”.

Mas o jornal existiria por pouco tempo. Em 26 de dezembro de 1929, a primeira página de “Crítica” trouxe o relato da separação do casal Sylvia Serafim e João Thibau Jr. Ilustrada por Roberto e assinada pelo repórter Orestes Barbosa, a matéria provocou uma tragédia.

Sylvia, a esposa que se desquitara do marido e cujo nome fora exposto na reportagem, invadiu a redação de “Crítica” e atirou em Roberto com uma arma comprada naquele dia. Nelson testemunhou o crime e a agonia do irmão, que morreu dias depois.

Apenas 67 dias depois da morte do filho, Mário Rodrigues sofreu, aos 44 anos, uma trombose cerebral. Faleceu dias depois de encefalite aguda e hemorragia. Diante de tão sentidas perdas a família não encontrou mais condições de morar na mesma casa. Mudaram-se para outra casa na rua Sousa Lima, também em Copacabana.

Sylvia, apoiada pelas sufragistas e por boa parte da imprensa concorrente de “Crítica”, foi absolvida do crime. Finalmente, durante a Revolução de 30, a gráfica e a redação de “Crítica” foram empastelados e o jornal deixou de existir.

Sem seu chefe e sem fonte de sustento, a família Rodrigues mergulhou em decadência financeira. Foram anos de fome e dificuldades para todos.

Os irmãos começam a procurar emprego. Foram meses batendo em portas fechadas. Começaram a vender tudo o que tinham para poder sobreviver e, devido ao aluguel sempre atrasado, eram obrigados a mudar de casa a cada três meses. Até que um dia uma porta se abriu para Mário Filho e os outros irmãos penetraram por ela.

Irineu Marinho havia fundado o jornal “O Globo” em 1925, mas, apenas 21 dias após o jornal circular pela primeira vez, morreu de enfarte. Roberto Marinho, filho de Irineu, era o sucessor natural, mas achou-se muito inexperiente para comandar um jornal. Chamou um velho companheiro de seu pai, Euricles de Matos, para tocar o negócio. (Pesquisa: Nilo Dias)

Nelson Rodrigues e filhos no Maracanã, durante um jogo do Fluminense. (Foto: Divulgação)