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quarta-feira, 17 de julho de 2013

O centenário estrelado

O Esporte Clube Cruzeiro, de Porto Alegre, completou no último domingo, 14, a marca histórica de 100 anos, sendo o quarto clube da capital gaúcha a alcançar esse status. Antes, Grêmio, Internacional e São José já haviam comemorados seus centenários.

O Cruzeiro por pouco não se chamou 14 de Julho, data de sua fundação. O nome foi proposto por um dos fundadores, mas rejeitado pelos demais. O primeiro estádio do clube foi na Vila Cruzeiro, que estava localizada na Estrada do Mato Grosso, atual Avenida Bento Gonçalves, no Bairro Partenon. Em 1920 mudou-se para o Caminho do Meio, onde ficou durante 18 anos.

O E.C. Cruzeiro desde os primórdios sempre se caracterizou como um pioneiro. Assim foi em 1914, quando criou as categorias inferiores (infanto-juvenil e juvenil), os chamados “filhotes”. E não demorou muito tempo para sugerir à presidência da Liga de Futebol Porto-alegrense que fosse criada a Liga Infantil de Futebol e organizado um campeonato só para meninos.

Foi o Cruzeiro que em 1917 propôs que fosse regulamentada a entrada de estrangeiros nos clubes gaúchos, a exemplo do que já ocorria em São Paulo e Buenos Aires.

No ano de 1929, depois de ter vencido o Citadino pela segunda vez, antes já fora campeão em 1918, também se sagrou campeão estadual em sua primeira participação na fase final da competição. O time era formado na quase totalidade por alunos universitários e estudantes da Escola Militar de Porto Alegre.

Em 1918, quando de seu primeiro título municipal de Porto Alegre, não havia ainda o campeonato do Estado. O representante da Capital no torneio foi o Grêmio, campeão da Associação Portoalegrense de Futebol (APAF), liga dissidente existente nos anos 1920.

A história do Cruzeiro é cheia de altos e baixos. Nos seus primeiros 50 anos de vida destacou-se pelas dificuldades que impunha dentro de campo aos clubes grandes, por isso era chamado de a terceira força da Capital, atrás apenas de Grêmio e Internacional.

Em 1935 sagrou-se campeão da “Taça Farroupilha”, certame realizado para assinalar o centenário da Revolução Farroupilha.

Em 7 de março de 1941 o clube inaugurou o seu novo “Estádio da Montanha”, no bairro Medianeira. O jogo inaugural foi um amistoso contra o São Paulo F.C., da capital paulista, vencido pelo Cruzeiro por 1 X 0, gol de Gervásio. Mais de 20 mil pessoas assistiram o confronto.

Quando da inauguração era o maior estádio de Porto Alegre, com capacidade para 20 mil expectadores, e o primeiro do Rio Grande do Sul a ter túnel de acesso para os jogadores saírem do vestiário para o gramado. O estádio também era chamado de “Colina Melancólica”, por estar localizado na região dos cemitérios porto-alegrenses.

No Estádio da Montanha na década de 40, funcionou a Faculdade de Educação Física (FEF), hoje Escola Superior de Educação Física (ESEF), da Universidade do Rio Grande do Sul (URGS).

Um dos apelidos do Cruzeiro é ”Leão da Montanha”, referência a um dos muitos estádios que o clube já possuiu.

Em 1944 o alviazul se tornou o primeiro clube gaúcho a contratar um técnico estrangeiro, o húngaro Emerich Hirschl, que trouxe consigo a famosa dupla de atacantes italianos Enrique Flamini e Alejandro José Lombardini, jogadores que já haviam defendido a Seleção Nacional, clubes argentinos e a Lázio, da Itália.

Na década de 40, o Cruzeiro formou grandes equipes e conquistou títulos importantes, como a “Taça Cidade de Porto Alegre”, em triangular com a dupla Gre-Nal, o Campeonato Extra da Cidade de 1943, o Torneio Início no mesmo ano e os vice-campeonatos da cidade em 1942, 1945 e 1947.

Apesar de todo o esforço, o Cruzeiro encontrou na época um Internacional forte demais, o que talvez tenha evitado um crescimento maior do time azul e branco.

Na virada dos anos 1953/1954, o Cruzeiro tornou-se o primeiro clube gaúcho a excursionar pela Europa, Ásia e Oriente Médio. A delegação estrelada enfrentou 11 dias de viagem a bordo de um navio.

Jogou contra times poderosos como Real Madrid (0 X 0), Lazio, Fenerbahçe, Beşiktaş e Galatasaray, além da Seleção de Israel (foi o primeiro time brasileiro a jogar em Israel) e da Seleção da Turquia.

O saldo da excursão foi altamente positivo: jogou 15 partidas, venceu sete, empatou quatro e perdeu quatro, marcando 28 gols e sofrendo 20, com um aproveitamento percentual de 55,55%.

Em 1960 o Cruzeiro realizou nova excursão, quando enfrentou equipes do nível de um Sevilla, SpVgg Bayern Hof (da 1ª divisão alemã, antes da criação da Bundesliga), Dínamo de Zagreb e outros, além de seleções como da Tchecoslováquia, Olímpica da Dinamarca e Bulgária.

O aproveitamento foi parecido com o da excursão anterior, 54,16%. Foram 24 jogos, com 11 vitórias, seis empates e sete derrotas, 39 gols pró e 35 contra. Essa excursão rendeu ao clube um título internacional, o de campeão do “Torneio de Páscoa de Berlim”, uma competição importante para a época. Foi o primeiro título intercontinental de futebol de um clube gaúcho.

No torneio, o Cruzeiro bateu o Bayern de Munique no jogo final. Uma prova do êxito dessa excursão, é uma carta que o clube guarda até hoje como verdadeira relíquia, enviada por dirigentes da agremiação dinamarquesa Randers FC, um dos adversários, que afirmavam que nunca iam esquecer do time que os tinha derrotado.

Além desses títulos, o Cruzeiro conta na sua galeria com o primeiro “Torneio Internacional de Páscoa de Mar del Plata”, na Argentina, em 1961. Também sagrou-se o primeiro Campeão da Copa Governador do Estado do Rio Grande do Sul, em 1970, tendo como treinador Sérgio Moacir Torres Nunes, que foi goleiro da dupla Gre-Nal nos anos 50.

Em 1968, o Cruzeiro chegou em terceiro lugar no Campeonato Gaúcho e disputou a sua primeira competição nacional, o “Torneio Centro-Oeste”.

O Cruzeiro começou a viver um período de decadência no final da década de 1960, quando o presidente Rafael Peres Borges vendeu o “Estádio da Montanha” para a construção do Cemitério Ecumênico João XXIII. O último jogo do time na “Montanha” aconteceu no dia 8 de novembro de 1970, com uma vitória por 3 X 2 sobre o Liverpool, do Uruguai. Muitos torcedores deixaram o local chorando.

Ainda hoje o Cemitério João XXIII tem uma parte da arquibancada. Isso foi lembrado por um dos mais célebres cruzeiristas, o escritor Moacyr Scliar (1937-2011), no livro ”A Colina dos Suspiros”, uma ficção inspirada no Cruzeiro e seu campo mais famoso.

“A “Colina dos Suspiros” (Editora Moderna) é uma leitura leve e divertida. Conta a história do “Pau Seco”, seu estádio, numa colina, vendido a um cemitério, pagamento em jazigos, jogadores negociados em troca de túmulos, a rivalidade com o União e Vitória, coronéis, empresários, exportação de jogadores… Ironia e tragédia se misturam. Final surpreendente.

Depois da morte de Moacyr Scliar, o Cruzeiro entrou em campo com uma tarja preta de luto, na partida contra o Grêmio, pela semifinal da Taça Piratini (1º turno do campeonato gaúcho), em 2011. O escritor herdou a paixão do pai, José Scliar. Em 2010, Moacyr escreveu uma coluna no jornal Zero Hora, festejando a volta do “Leão” à elite do futebol gaúcho. Na crônica, Moacyr Scliar citou o livro “A Colina dos Suspiros”.

Na década de 1970, o clube construiu o “Estádio Estrelão”, no final da Avenida Protásio Alves, atualmente Jardim Carvalho. Inaugurado em abril de 1977, o “Estrelão” foi a casa do Cruzeiro até 2012. Em 1979, o futebol profissional do clube entrou em recesso, só voltando em 1991, quando disputou a Segunda Divisão Gaúcha.

Em 16 de junho de 2010, depois de derrotar o Brasil de Farroupilha por 3 X 2 no “Estrelão”, o Cruzeiro voltou a elite do futebol gaúcho. Foram 32 anos de espera. E não ficou só nisso, de lambuja conquistou o título da Série B, ao derrotar o Lajeadense por 3 X 0, em 27 de junho.

Em 30 de julho de 2010, o Cruzeiro vendeu a área onde se encontrava o estádio "Estrelão" e adquiriu outra com sete hectares no Pólo Industrial de Cachoeirinha, na região metropolitana de Porto Alegre, onde está sendo erguido o novo estádio. Ele terá o formato de arena, com 16 mil lugares, nos padrões exigidos pela FIFA, credenciando o município a ser a sede de treinamento para as seleções que vão disputar a Copa do Mundo FIFA de 2014 no Brasil.

E não é só o estádio que o Cruzeiro está construindo. Paralelamente o clube ergue um Centro de Treinamento em Cachoeirinha e a nova sede social e administrativa em Porto Alegre. O novo estádio tem previsão de ser inaugurado ainda em 2013. O clube disputou o campeonato gaúcho do ano passado no “Estrelão”.

Em 2011 o Cruzeiro alcançou classificação para disputar a Série D do Campeonato Brasileiro, retornando a uma competição nacional após 43 anos. Até então a única disputa oficial interestadual do clube estrelado havia sido o Torneio Gaúcho Qualificatório ao Torneio Centro-Sul de 1968.

A participação na Série D foi curta, pois o clube foi eliminado antes do fim da primeira fase. Na competição, o Cruzeiro mandou seus jogos no Estádio Passo D'Areia, do seu co-irmão, E.C. São José.

Uma curiosidade na vida do Cruzeiro, foi o fato de ter sido o segundo clube do mundo a ter sua camiseta usada em uma Copa do Mundo de Futebol. Isto ocorreu em 1950, na partida entre México X Suíça, disputada em Porto Alegre. As duas seleções tinham fardamentos vermelhos e era preciso distingui-los. Os mexicanos jogaram listrados de azul e branco e a Suíça venceu por 2 X 1. O primeiro foi o Napoli, em 1934, cedendo seu uniforme para a Áustria num jogo contra a Alemanha.

O Cruzeiro é o único clube gaúcho a ter se sagrado campeão em todas as seguintes modalidades esportivas: futebol, basquete, futebol de salão e vôlei. O cantor Diogo Nogueira foi jogador do clube na sua tentativa de se tornar jogador profissional.

O Cruzeiro foi o primeiro time gaúcho a vencer o Internacional no seu novo Estádio Beira Rio, no dia 1º de maio de 1970, pelo placar de 1 X 0. E também, o primeiro time brasileiro a derrotar o Grêmio, na sua nova Arena, no dia 28 de março de 2013, pelo escore de 2 X 1.

O deputado Edson Brum (PMDB) ocupou a Tribuna da Assembleia Legislativa do Estado, no último dia 10, para prestar significativa homenagem ao E.C. Cruzeiro, por seu centenário. Com a presença nas galerias de muitas pessoas ligadas ao clube, o parlamentar fez um relato da história cruzeirista, uma das mais antigas e queridas agremiações esportivas do Rio Grande do Sul.

O Jockey Club do Rio Grande do Sul também prestou homenagem ao centenário estrelado, com um "Páreo Festivo" e depois com uma Missa em Ação de Graças, realizada na Catedral Metropolitana de Porto Alegre.

Títulos: Campeão Gaúcho (1929); Campeão Gaúcho da Série B (2010); Campeão Citadino de Porto Alegre (1918, 1921 e 1929); Campeão do Bronze Farroupilha de Atletismo (1935); Campeão da Taça Cidade de Porto Alegre (1943 e 1947); Campeão do Campeonato Extra de Porto Alegre (1943); Campeão do Torneio Início de Porto Alegre (1943, 1951 e 1962); Campeão da Copa Governador do Estado (1970); Campeão do Torneio da Páscoa de Berlim, na Alemanha (1960); Campeão do Torneio Internacional de Mar del Plata, na Argentina (1961); Bicampeão Gaúcho de Futsal (1958 e 1959); Campeão Gaúcho da Série Prata de Futsal (2011); Campeão Gaúcho de Basquete adulto masculino (1945, 1948, 1949, 1950, 1951, 1952, 1953, 1956, 1968, 1970, 1972 e 1973); Campeão Gaúcho de Vôlei adulto masculino (1972) e Campeão da Taça Cidade de Pelotas 200 Anos, em Futebol Feminino (2012).

No sábado, 13 de julho, aconteceu o “Jantar do Centenário do Esporte Clube Cruzeiro”, realizado no Clube Campestre, em Ipanema, com a presença de aproximadamente 300 convidados. No domingo, 14, data do centenário, o clube organizou uma carreata e o Almoço do Centenário, no CTG Rancho da Saudade, em Cachoeirinha.

O Cruzeiro desde a sua origem revelou grandes craques e muitos atletas que chegaram à Seleção Brasileira, como Aníbal Candiota, Moderato Wisintainer (primeiro gaúcho a jogar uma Copa do Mundo em 1930), Juvenal Amarijo, Luizinho, Irno, Claudio Danni, Alfredo Mostarda, Picasso, Valdir de Morais, Airton Ferreira da Silva, Ortunho e Batista.

E tantos outros grandes jogadores que já vestiram a camisa estrelada como Espir Rivaldo, Marne Demeneghi, Mario Andrade, Jorge Andrade, Hermes, Henrique, Arlem, Pio, Vieira, Cacildo, Marino, Arceu, Miguel, Bido, Canavieira, Bezerra, Antunes (irmão do Zico), Jarbas, Daizon e João Pontes, Laoni Luz, Julio César, Heraldo, Paraguaio, Serginho, Nicola, Chico Spina, Lettieri, Itamar, Doraci, Claudio Leite, Marcelo Rosa, Djair, Vergara, Paulo Santos, Pinga, Manú, Jair Gomes, Elton Correia, Zé Luís, Michel Bastos, Diguinho e Rafael Sobis. (Pesquisa: Nilo Dias)

Viagem de návio em 1973, na primeira excursão de um clube gaúcho à Europa.