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segunda-feira, 18 de novembro de 2013

O centenário do "Barriga Preta" (I)

O Atlético Rio Negro Clube, de Manaus (AM), foi obra da insistência do jovem desportista Shinda Uchôa, de apenas 16 anos de idade, que reuniu um grupo de amigos, todos estudantes universitários, filhos de barões, de famílias tradicionais da cidade, para criarem um clube de futebol na cidade.

E a teimosia deu certo, visto que em uma reunião realizada na casa de Manoel Afonso do Nascimento, na rua Henrique Martins, às 16 horas do dia 13 de novembro de 1913, foi fundado o “Athletic Rio Negro Club”.

Estiveram presentes na reunião e são considerados fundadores do clube os jovens Edgard Garcia Lobão, Raymundo Vieira, França Marinho, Leopoldo Neves, Basílio Falcão, Paulo Nascimento, João Falcão, Ascendino Bastos, Afonso Nogueira e o não menos importante Manoel Afonso do Nascimento, o “Carranza”, que ofereceu a própria casa para ser a primeira sede do clube, localizada à época na Rua Henrique Martins.

O nome foi uma homenagem ao rio, que é um dos mais importantes da bacia amazônica e do país. A escolha de Rio Negro aconteceu por 10 votos a um. Sabe-se que no momento da fundação, os jovens desportistas estavam em um aposento que tinha vista para o “Rio Negro”. Por isso, apenas um dos presentes teve dúvida para a escolha do nome.

A grafia em inglês seguiu o costume dos vários clubes da época. A casa onde o clube foi fundado existe até hoje, e abriga o “Banco da Mulher”, mantendo, ainda, a mesma arquitetura do início do século.

Logo após a leitura da ata e sua consequente aprovação, os jovens fizeram um brinde com "Vinho do Porto", usando autenticas taças francesas de cristal Bacará. Depois foi escolhida a primeira diretoria do novo clube, tendo como presidente Edgar Lobão. 

Shinda foi eleito Presidente de Honra e Secretário. A idade de 16 anos não lhe permitia ser presidente,pois na época a maioridade era a partir dos 21 anos. Curiosamente, ele nunca presidiu o clube. 

E o ato virou tradição. Todos os anos, por ocasião do aniversário do clube, é repetido o brinde da fundação, que ganhou o nome de “Porto de Honra”, sempre realizado no “Salão dos Espelhos”, na sede social da agremiação.

Das doze taças de cristal utilizadas em 1913, seis foram recuperadas pelo diretor cultural do clube, Abrahim Baze e são guardadas no museu histórico do Rio Negro fundado por ele. Três delas são usadas no brinde anual pelo presidente e por mais duas autoridades escolhidas por ele, durante o evento.

O clube é chamado por seus torcedores de “Barriga Preta”, em razão de seu uniforme principal, camisa branca com uma faixa horizontal preta no peito, calção preto e meias brancas.

O que pouca gente sabe é que o primeiro uniforme do clube, escolhido ainda na reunião de fundação, tinha calção e camisa branca com o colarinho preto. Porém, o uniforme precisou ser modificado, visto que se parecia demais com o do “co-irmão” Nacional.

A alteração aconteceu no dia 15 de janeiro de 1914. Foi o associado Schinda Uchôa, que sugeriu o uso de uma camisa branca com listras pretas verticais e calção preto. Na verdade, Schinda “copiou” o uniforme do Botafogo, do Rio de Janeiro.

Mas esse uniforme não foi o definitivo. Em 1917, o então presidente Lauro Cavalcante, que era muito supersticioso, propôs nova mudança, pois achava que a camisa igual a do time carioca, não trouxera sorte ao Rio Negro, que já existia há quatro anos e nada de ganhar títulos.

Em Assembleia Geral os associados concordaram em mudar o visual da camisa, que passou a ser branca com uma faixa preta na altura da barriga, carregando ao centro o escudo do clube. Nascia assim  a lenda do “Barriga-Preta”. Os calções continuaram os mesmos.

O escudo é constituído de um circulo preto com seis furos vazados, quatro embaixo e dois em cima e as letras ARNC, dispostas em sequência com o “C” sobreposto sobre elas. Em algumas ocasiões form usadas quatro estrelas, simbolizando o tetra-campeonato amazonense, de 1987 até 1990.

O Rio Negro possui três hinos, algo atípico no país. Um é oficial, o mais conhecido e foi composto pelo tenente-maestro da Polícia Militar do Amazonas, Albino Ferreira Dantas, que era pernambucano de nascimento. Os outros dois são a marchinha, gravada em 1970, e o "Galo Carijó", do Aníbal Beça, de 1979. O oficial só é executado nos dias 12 de novembro, que antecedem ao famoso "Porto de Honra", véspera do aniversário do clube. 

O primeiro jogo do clube aconteceu no dia 24 de novembro de 1913, no campo da "Escola de Aprendizes e Marinheiros", contra o time da mesma escola. O Rio Negro venceu por 4 X 0.

Depois jogou torneios amistosos comemorativos, quando colecionou vários troféus. O primeiro título só veio em 1921. Até então o domínio era total do grande rival Nacional, com quem já havia se envolvido em alguns conflitos.

Em 1914 o Rio Negro participou de sua primeira competição oficial, o Campeonato Estadual. Não fez boa figura, pois seu time era muito jovem. Nesse certame o Rio Negro sofreu as duas maiores goleadas de sua história, no clássico Rio-Nal.

Em 1926 ganhou seu segundo título, um torneio promovido pela “Fada”, que até hoje não é reconhecido como oficial, do qual participaram Rio Negro, Nacional, União Sportiva, Luso Brasileiro e Libertador. Já nos primeiros anos de vida o Rio Negro se tornou uma das duas maiores forças futebolísticas do Estado, tendo levantado oito campeonatos e sendo o dono da maior torcida em Manaus.Também possui a primeira torcida gay do Amazonas, a "Galo Gay".

Hoje em dia a torcida é muito pequena, pois o clube vive um momento de decadência. Seus torcedores não são mais do que 300 por jogo, média igual ou pior que a de muitos times pequenos. Nos bons tempos essa média era de 4 mil pessoas em jogos de pequeno destaque e mais de 20 mil pessoas em jogos de grande porte.

Na década de 1930 o time montou um ataque que ficou conhecido como “Demolidor”. Contava com jogadores respeitados no futebol amazonense da época como Ciro, Goiot, Vidinho, Raimundo Bandeira e Ofir Corrêa, alternando com Adair Marques, “O Príncipe”.

Com essa linha de atacantes o Rio Negro foi campeão estadual de 1932, quando bateu o Fast Clube no jogo decisivo. Em 1939 o time contava com outro grande ataque, formado por Babá, Cláudio, Lé, Bezerra e Benjamim, que eram chamados de “Granadeiros”. Nessa época o Rio Negro contava com um dos maiores ídolos da sua história, o goleiro Iano, que foi tricampeão pelo clube.

Tinha o apoio das classes mais altas da sociedade, sendo conhecido como o “Clube Líder da Cidade”, pois também se consolidara como uma grande entidade social. A maior goleada aplicada nos 100 anos de existência do clube, foi 10 X 3 sobre o Independência, no dia 12 de Julho de 1942.

Nos seus primeiros anos de vida, o Atlético Rio Negro Clube teve várias sedes provisórias. Mas, por uma ironia do destino, o clube acabou tendo como sua “última morada” justamente um cemitério.

A sede da entidade, na atual “Praça da Saudade”, daí o nome, foi construída em cima do antigo “Cemitério São José”, que foi retirado do local por um motivo puramente estético, pois as autoridades achavam que sua localização na região central enfeiava a cidade. E foi inaugurado um novo cemitério em outro local, o “São João Batista”, e os restos mortais transferidos para lá.

A Prefeitura, tendo em vista que o local tinha pouco valor imobiliário, construiu lá uma praça e doou o restante da área para que o Rio Negro construísse sua sede. A doação foi sacramentada pelo então prefeito Antonio Maia, no dia 22 de maio de 1938, segundo relatos do livro “Sete Décadas de Barriga-Preta”.

A sede foi erguida com recursos dos próprios torcedores. Os mais abastados cooperaram com mais dinheiro. Os mais humildes colaboraram com o que podiam ou com mão de obra. A planta foi assinada pelo engenheiro-arquiteto, Aluisio de Araújo, que na condição de torcedor nada cobrou pelo trabalho.

Seu pagamento se constituiu num ato simbólico, o de dar o pontapé inicial nas obras do clube. Em seguida teve de sair de Manaus, para trabalhar na construção do “Cristo Redentor”, no Rio de Janeiro. A execução da obra ficou a cargo dos conceituados construtores J. Lopes & Cia., sob a fiscalização dos velhos “rionegrinos”, engenheiros Argemiro Pessoa e Ariolino Azevedo.

A sede, cuja construção começou em 1938, foi inaugurada no ano de 1942, em meio a “Segunda Guerra Mundial”, na gestão do presidente Flávio de Castro, que esteve mais tempo à frente do clube, até 1958.

Em 1945, o título estadual que era seu por direito, foi dado ao rival Nacional, o que desagradou os dirigentes que resolveram fechar o Departamento de Futebol. 

Depois disso, os torcedores do Rio negro passaram a chamar o Nacional de “Tribunaça”, em razão das conquistas, segundo eles, injustas.

O clube passou 14 longos anos fora dos gramados, mantendo somente às atividades sociais e um time caseiro que se limitava a realizar jogos amistosos contra clubes menores. Os torcedores de todos os clubes sentiam a falta do Rio Negro, o que diminuia a competitividade no campeonato estadual e pediam a sua volta.

Mas a ausência do Rio Negro não se limitava somente ao descontentamento pela perda do campeonato de 1945. Ela também era resultado da antipatia que alguns dirigentes tinham pela prática do futebol no clube. Esse afastamento acabou sendo prejudicial, pois permitiu ao Nacional alcançar um crescimento muito grande nesses anos em que o rival esteve ausente.

Com o retorno ao futebol em 1960, o Rio Negro não tinha mais a popularidade de antigamente. A volta só foi posível por insistência do torcedor Josué Cláudio de Souza. E ainda assim com um Departamento de Futebol autônomo, exigência do presidente Aristophano Antony.

Depois de 14 anos ausente, o primeiro jogo do novo Rio Negro, agora um time formado por jogadores na maioria vindos do interior do Estado, foi contra o São Raimundo. O resultado, um desastre, goleada de 7 X 1, o que não desmotivou os dirigentes e nem os torcedores. Tanto, que dois anos depois, em 1962, o clube voltou a ser campeão amazonense, feito repetido em 1965. (Pesquisa: Nilo Dias)


Shinda Uchôa, fundador do Rio negro. (Foto:blog "Baú Velho)