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quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Os 100 anos do “Cantusca”

O Canto do Rio Foot-Ball Club, de Niterói (RJ) foi fundado no dia 14 de novembro de 1913, por quatro garotos entre 10 e 11 anos de idade. O desejo inicial deles era que o clube se dedicasse ao futebol infantil. Seu primeiro presidente foi Hugo Mariz de Figueiredo. O nome correto do clube, de acordo com seus estatutos, é "Canto do Rio Foot-Ball Club", com hífen e não "Football Club" ou "Futebol Clube", como erroneamente citado em algumas fontes.

As cores oficiais do clube, definidas no Estatuto, são o azul e o branco. O uniforme original do Canto do Rio tinha camisas azuis com golas brancas e calções brancos. Porém, tradicionalmente utiliza camisas listradas em um tom de azul mais claro e branco, mantendo os calções e o escudo no tom azul original.

Isso tem explicação histórica: quando o clube passou a participar do ”Campeonato Carioca”, em 1941, adotou camisas alvicelestes idênticas às da seleção da “Liga de Niterói”, com o intuíto único de representar a cidade.

Nas competições locais manteve o uniforme original alvianil. Mas devido à maior visibilidade do “Campeonato Carioca”, o uniforme alviceleste se consagrou e é utilizado preferencialmente até hoje.

A idéia do Canto do Rio ser um time infantil não prosperou. A nova agremiação esportiva não demorou a conquistar um grande número de torcedores e o foco passou a ser outro.

Chamado pelos torcedores de "Cantusca", o Canto do Rio se habilitou a disputar o “Campeonato Municipal”, e se tornou o time mais popular da cidade. Seu grande adversário da época era o Fluminense A.C., com quem rivalizava no chamado “Clássico da Zona Sul” e na preferência do público.

O tempo áureo do futebol niteroiense foi dos anos de 1920 até 1950, quando o campeonato local contava com o "Grupo dos Seis", formado por Canto do Rio e os extintos Fluminense, Ypiranga F.C., Niteroiense F.C., Byron F.C. e Barreto F.C., estes últimos protagonistas do “Clássico da Zona Norte”.

O Canto do Rio foi um dos cinco clubes que fundaram a “Associação Fluminense de Esportes Atléticos” (AFEA), que tempos mais tarde mudou a denominação para “Federação Fluminense de Desportos” (FFD), responsável pela organizaçao do futebol no antigo Estado do Rio de Janeiro.

Em 1933, o “Cantusca” conquistou o título de campeão da cidade, tendo recebido por isso o título simbólico de "Representante Oficial do
Estado do Rio de Janeiro-AFEA”.

Em razão de seu crescimento o Canto do Rio se tornou clube de futebol profissional, em 1941, tendo sido o primeiro do antigo Estado do Rio de Janeiro a atingir tal condição. Por essa razão, o clube teve que abdicar das disputas estaduais “fluminenses”, pois estas tinham o caráter amadorista.

Isso ocorreu depois da inauguração do Estádio Caio Martins. O governador de então, Amaral Peixoto, teve a idéia de incluir um clube niteroiense no “Campeonato Carioca”, imitando a experiência do Santos no “Campeonato Paulista”. O escolhido foi o Canto do Rio, então o mais elitizado e bem-estruturado clube da cidade.

Ao contrário do que alguns podem pensar o Canto do Rio não era o time mais forte da cidade. Ypiranga e Fluminense, e mais tarde o Fonseca, dominavam o campeonato de Niterói. Até então o clube só possuia dois campeonatos locais. As razões para a escolha teriam sido a estrutura e aparentemente os laços afetivos do governador com o Canto do Rio.

Com uma licença especial da AFEA, o Canto do Rio passou a disputar o “Campeonato Carioca”, no então vizinho Distrito Federal. Isso deu ao clube a condição de único de outro Estado até hoje, a disputar o certame carioca. Os chamados clubes “pequenos” cariocas, não gostaram da idéia, principalmente o São Cristóvão. Por várias vezes eles tentaram tirar o time niteroiense da disputa.

Naquela época o “Campeonato Carioca“ era disputado por 12 times: Vasco da Gama, Flamengo, Fluminense, Botafogo, Bangu, America, Bonsucesso, Olaria, Madureira, São Cristovão, Portuguesa e Canto do Rio. Mais tarde foi admitido o Campo Grande.

Os jogos iniciavam às 15 horas, com sol escaldante. E não eram permitidas substituições, sendo que bem mais tarde foi admitida a do goleiro. Com isso os reservas, principalmente dos grandes clubes, que tinham elencos fortes, para não ficarem inativos e também para que houvesse um atrativo para o público que chegava mais cedo aos estádios, disputavam uma competição paralela, que era chamada de “Campeonato de Aspirantes”.

Pela manhã, às 10 horas, eram disputadas as partidas envolvendo as equipes de juvenis. Os três torneios, profissionais, aspirantes e juvenis eram disputados pelos mesmos clubes. Assim, quando um time ganhava do adversário nas três categorias, dizia-se que fez “barba, cabelo e bigode”, numa alusão comparativa ao que é feito numa barbearia.

A classificação na tabela era feita por pontos perdidos. O perdedor perdia 2 pontos; nos empates, os dois clubes perdiam um ponto cada; o vencedor ganhava 2 pontos. Ao final da competção, o clube que acumulasse menos pontos perdidos era o campeão.

No final de 1942, início de 1943, o Canto do Rio realizou uma de suas raras excursões para fora do Estado. Foi até Santa Catarina, onde realizou alguns jogos, ganhando todos e de goleada.

Na estréia, 6 X 1 sobre o Avaí (27-12-1942); 7 X 2 na Seleção de Blumenau (02-01-1943); 6 X 2 no América, de Joinville. Mas existem controvérsias sobre esse jogo, alguns dizem que o placar foi 9 X 0 (05-01-1943); 5 X 1 sobre o  Paysandú, de Brusque (8/1/1943) e 6 X 2 frente o Combinado do Vale do Itajaí (11-01-1943).

Na condição de time mais popular de Niterói e apelidado de "O Mais Querido da Cidade Sorriso", o clube foi fundamental na década de 1940, para que os torcedores locais passasem a se interessar mais pelo “Campeonato Carioca”, do que mesmo para o certame da cidade.

Mas o Canto do Rio não abandonou de todo a sua cidade. Formou times amadores que participavam dos certames municipal e estadual do antigo Estado do Rio de Janeiro. Em 1945 chegou a ser terceiro colocado no “Campeonato da Cidade”.

Nesse período nasceu a rivalidade com o Fonseca Atlético Clube nos campeonatos municipais. O Fonseca era forte no campeonato fluminense e defendia a valorização dos campeonatos do antigo Estado do Rio de Janeiro. Por essa razão gritava aos quatro ventos que o Canto do Rio era um "traidor" de sua terra.

O “Cantusca” se defendia, dizendo que o “Campeonato Fluminense” era bastante deficitário, tendo pouca visibilidade na cidade, aliado ao fato de que os torcedores locais já acompanhavam em grande número o “Campeonato Carioca”.

O profissionalismo demorou, mas em 1952 chegou ao antigo Estado “Fluminense”. Isso ensejou um movimento para expulsar o Canto do Rio do “Campeonato Carioca”, pois a licença especial que obteve, previa acabar em caso que seu Estado de origem aderisse ao profissionalismo.

Mas não foi fácil tirar o clube do certame guanabarino, ainda mais depois que venceu o “Torneio Início” de 1953, derrotando o Vasco da Gama no jogo final por 3 X 0, em pleno “Estádio Jornalista Mário Filho”, o glorioso “Maracanã”.

O Canto do Rio continou disputando o “Carioca” até 1964, pois era mais rentável e tinha grande cobertura da imprensa. Uma confusão ocorrida em um jogo contra o Fluminense, graças a atuação desastrosa do árbitro, com briga generalizada entre os jogadores e invasão de campo no “Estádio Caio Martins”, em Niterói, teve como resultado a exclusão definitiva do clube alviceleste do futebol carioca.

A participação do Canto do Rio no “Campeonato Carioca” foi sempre fraca, geralmente ocupando a última posição. Sua melhor campanha na competição foi 6º lugar, em 1944.
Contam, não sei se é verdade, que certa ocasião o time vinha de um jejum de vitórias que já durava alguns anos, quando derrotou o Bonsucesso por 2 X 1 no Caio Martins. Terminada a partida os jogadores do Canto do Rio teriam dado a volta olímpica no gramado, para delírio da sua torcida.

O Canto do Rio deixou o futebol profissional por algum tempo, voltando ao profissionalismo em 1975, quando aconteceu a fusão entre os Estados do Rio de Janeiro e da Guanabara. Desde então o clube alterna participações em divisões inferiores do futebol com pedidos de licenciamento.

Em 2001, o empresário espanhol Santiago Gerardo e sua empresa “Holding Sports” passaram a administrar o futebol profissional do Canto do Rio. Os jogos do clube se realizavam no estádio do CFZ, em São Gonçalo, e não no Caio Martins, em Niterói.

Desiludido com a fraca campanha no Estadual e com a bagunça que imperava nos campeonatos da Federação Carioca, o Canto do Rio resolveu não disputar os torneios profissionais de 2002. Em 2007, o clube voltou a disputar a 3ª Divisão Estadual, repetindo o feito em 2008.

Em, 2009, por exemplo, o clube perdeu por WO um jogo contra o “La Coruña”, pelo “Campeonato Carioca da Terceira Divisão”, devido a problemas na documentação de um dos enfermeiros da partida. O Canto do Rio protestou, mas o “Tribunal de Justiça Desportiva” manteve o resultado do jogo, multou o clube em 20 mil reais e ainda o afastou da competição.O "Cantusca" jogou a Série C pela última vez em 2010.

A mascote do Canto do Rio era um “bebê”, criado pelo chargista Mollas, que, na década de 1940, criou mascotes para os times participantes do “Campeonato Carioca de Futebol”. O “bebê” representava um clube que engatinhava junto aos grandes e tinha muito a crescer. Era apresentado segurando uma tesoura, pois o clube seguidamente aprontava surpresas aos favoritos, ou "cortava o barato", como costumavam dizer na época.

Depois que deixou de participar do “Campeonato Carioca”, o “bebê” saiu de moda e o clube criou uma nova mascote, a “Arara Henriqueta”, que já está com mais de 40 anos de tradição.

Na sede do Canto do Rio pode-se observar a existência de um apreciável número de troféus, mas como não estão devidamente catalogados, fica dificil saber como e em que esportes foram conquistados. Sabe-se que depois da profissionalização em 1941, o clube deixou equipes secundárias-amadoras nas disputas da “Federação Fluminense de Desportos”, onde é possível que tenha levantado títulos.

Ainda assim, sabe-se de algumas conquistas do clube. Estaduais: Torneio Início do “Campeonato Carioca” (1953); Torneio Início do “Campeonato Fluminense” (1918 e 1926); “Campeonato Niteroiense de Futebol” (1933, 1934, 1945, 1948, 1954 e 1968); Vice-campeão do Torneio Início do “Campeonato Carioca” (1962); “Representante Oficial do Estado do Rio/AFEA” (1933 e 1934 e “Campeonato Fluminense de Futebol” de segundos quadros (1922, 1925 e 1926). Outros Esportes. “Campeonato Estadual de Basquetebol Feminino” (1979, 1982 e 1983).

A maior goleada sofrida pelo Canto do Rio em seus 100 anos de existência foi 14 X 1, para o Vasco da Gama, em 6 de setembro de 1947, no “Estádio de  São Januário”. O clube cruzmaltina era
chamado na época de “Expresso da Vitória”.

O Vasco mandou a campo: Barbosa - Augusto e Rafanelli – Eli - Danilo e Jorge – Nestor – Maneca – Dimas - Ismael e Chico. O técnico era Flávio Costa. O Canto do Rio jogou com: Odair (Raimundo) - Borracha e Lamparina – Carango - Bonifácio e Canelinha – Heitor – Waldemar – Raimundo - Didi e Noronha.

Os gols foram de Maneca (5), Ismael (4), Dimas (3), Nestor e, Chico para o Vasco, e Waldemar descontando. O juíz foi Alberto da Gama Malcher.

Muitas fontes citam Gérson, craque da “Seleção Brasileira”, como um dos grandes nomes do clube. No entanto, o "Canhotinha de Ouro" jogou apenas nas categorias de base, logo se mudando para as categorias juvenis do Flamengo, onde se profissionalizou. Gérson nunca vestiu a camisa do Canto do Rio em competições profissionais.

Naquela década, jogadores de qualidade passaram pelo clube e começaram trajetórias de sucesso no futebol carioca e brasileiro. O volante Danilo Alvim, o “Príncipe Danilo”, defendeu o clube entre 1940 e 1943, de onde saiu para jogar também na Colina, onde chegou à Seleção Brasileira. 

Ely do Amparo foi outro meio-campista surgido no "Cantusca" e que em 1943 se transferiu para São Januário.Outro craque criado no Canto do Rio, mas que também jogou apenas na base foi Ipojucam, que, com 11 anos de idade foi para o Vasco da Gama.  

O goleiro Veludo foi um dos maiores que já passou pelo clube, em 1957, após alguns períodos de reserva no Fluminense, onde era ofuscado por Castilho. O arqueiro passou apenas um ano em Niterói, mas foi o suficiente para entrar de vez na história do Canto do Rio.

O hino do clube foi composto por Lamartine Babo. Alguns historiadores afirmam que o hino é também uma homenagem a um amor da época, a tal morena niteroiense que dizem, torcia para o Canto do Rio. (Pesquisa: Nilo Dias)

Payssandu e Canto do Rio em frente a antiga sede do time brusquense, em 5 de janeiro de 1943. (Foto: "Na Boca do Gol", o "Blog do Appel")