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sábado, 7 de dezembro de 2013

O bugre de Bagé

Tem muita gente da imprensa carioca e paulista, especialmente, que até hoje não se conforma que um clube do interior do Rio Grande do Sul seja de fato e de direito o mais velho em atividade no futebol brasileiro. Alguns comentaristas, desinformados pelo jeito, insistem em dizer que é a Ponte Preta, de Campinas (SP), o “vovô”, no caso a “vovó” do futebol em nosso país.

A antiga Confederação Brasileira de Desportos (CBD), hoje Confederação Brasileira de Futebol (CBF), confirmou em oficio datado de 28 de julho de 1975, a legitimidade do clube gaúcho de ser o mais velho time de futebol do Brasil. E em homenagem estabeleceu o 19 de julho, data de fundação do clube, como o "Dia do Futebol Brasileiro".

Outra coisa que deixa cariocas e flamenguistas loucos de raiva é saber que o rubro-negro mais velho do futebiol brasileiro não é o Flamengo, e sim o E.C. 14 de Julho, de Santana do Livramento, fundado em 14 de julho de 1902, que também o caracteriza como o terceiro clube mais velho do futebol brasileiro. O Fluminense foi fundado no mesmo ano, mas em 21 de julho, uma semana depois que o clube gaúcho. O futebol no Flamengo começou em 1912.

Outra coisa que teve origem em um clube gaúcho foi o de abolir o racismo no futebol. A CBF insiste em dar ao Vasco da Gama, do Rio de Janeiro, o mérito por isso, quando na verdade o Guarany F.C., de Bagé, aceitou negros em sua equipe de futebol, antes do time da Cruz de Malta. Em 1920 o alvirubro de Bagé conquistou o título de campeão estadual, com uma equipe repleta de jogadores negros e mulatos. 

Talvez o Bangu, merecesse ser citado como o primeiro clube a aceitar negros em sua equipe. Sabe-se que em 1905, Francisco Carregal, um negro, jogava no time principal do Bangu, no Campeonato Carioca da 1ª Divisão daquele ano. Mas isso não era a prática comum da época.

Sabe-se que em 1914 o mulato Carlos Alberto, vindo do América jogou no Fluminense, um time de brancos. Foi quando surgiu a história do “pó de arroz”, que teria sido usado pelo atleta para esconder a cor da sua pele. E com o suor, acabou se desfazendo e mostrando que não era tão branco quanto parecia. A partir daí o Fluminense passou a ser chamado de “pó de arroz” pelas torcidas adversárias.

Mas deixando de lado fatos históricos e ainda polêmicos do nosso futebol, vamos contar um pouco da história do Guarany, de Bagé, o único clube do interior do Rio Grande do Sul a conquistar por duas vezes o Campeonato Estadual. O “bugre” bageense foi fundado no dia 19 de abril de 1907, por 11 rapazes que se encontravam na Praça de Matriz, no centro da cidade.

Seus fundadores foram: João Guttemberg Maciel, Viriato Bicca Nunes, Cervantes Perez, Secundino Maciel, Francisco Sá Antunes, Manoel Berruti, Carlos Martins Peixoto, Lucidio Garrastazu Gontan, Carlos Garrastazu e Gonzalo Perez. Foram sugeridos dois nomes para a novél agremiação, Internacional e Guarany, sendo este o escolhido pela maioria.

O curioso é que o Guarany não nasceu vermelho e branco, como é hoje. Suas primeiras camisas, em vermelho, azul e branco, pertenceram ao Nacional, de Montevidéu e foram levadas até Bagé pelo fundador alvirrubro Carlos Garrastazu, que havia atuado pelo clube uruguaio. Mas pouco tempo depois foi adquirido o fardamento tradicional do clube bageense.

Em 1913 o Guarany jogou pela primeira vez no exterior, na cidade uruguaia de Melo, contra o Artigas e o Melense. Foi o primeiro clube gaúcho a jogar no “Monumental de Nuñez”, em Buenos Aires, contra o River Plate. Já enfrentou as seleções do Uruguai, Paraguai e Rússia.

Em Bagé o primeiro jogo internacional do Guarany foi em 1913, contra o Lavallejas, de Rivera. A primeira partida noturna em Bagé, ocorreu em 23 de novembro de 1952, no estádio Antônio Magalhães Rossel, também chamado de “Estrela D'alva”, contra o E.C. Pelotas.

Sabe-se que a dupla Internacional e Grêmio manda no futebol gaúcho. Mas o clube do interior que mais se destacou nos 94 anos de história do Campeonato Gaúcho foi o Guarany, única agremiação a conquistar dois títulos de campeao gaúcho, em 1920 e 1938. O alvirrubro bageense foi vice-campeão gaúcho em 1926 e 1929.

Outros clubes interioranos campeões foram: G.E. Brasil, E.C. Pelotas e G.A. Farroupilha, de Pelotas; G.E. Bagé, de Bagé; S.C. Rio Grande, S.C. São Paulo e F.B.C. Rio-Grandense, de Rio Grande; Grêmio F.B. Santanense, de Santana do Livramento e S.E.R. Caxias e E.C. Juventude, de Caxias do Sul.

Em 1926, o Guarany foi vice-campeão gaúcho, perdendo à final para o Grêmio, por 4 X 3, em partida realizada em Porto Alegre. O onze bageense reclamou muito da arbitragem daquele jogo. Por exemplo, o gol da vitória gremista foi marcado na prorrogação. Em 1929, foi vice de novo, ao perder à final para o Cruzeiro, de Porto Alegre, por 1 X 0. Em 1958 mais um vice, quando perdeu os dois jogos finais para o Grêmio.

O Guarany sempre foi um verdadeiro celeiro de bons jogadores. Exemplos de Max, que jogou no futebol francês; Tupanzinho, que brilhou no Palmeiras, de São Paulo; Branco, tetra-campeão mundial pela Seleção Brasileira; Martin Silveira, que jogou as Copas do Mundo de 1934 e em 1938; Darci Menezes, que foi campeão da América e vice-campeão intercontinental, jogando pelo Cruzeiro, de Belo Horizonte e Raul Calvet, tetra-campeão paulista, bicampeão da América e intercontinental, pelo Santos F.C., entre outros.

Calvet era conhecido pela classe e elegância com que jogava. Foi um dos grandes nomes da história do Guarany. Jogou ainda pelo Grêmio, sendo campeão gaúcho em duas oportunidades (1956 e 1959).

Branco, iniciou a carreira nas divisões de base do time. Ainda como Júnior, jogou na base do Internacional, até se transferir para o Fluminense, onde foi campeão brasileiro (1984) e tricampeão estadual (1983, 1984 e 1985). Pela seleção brasileira, ganhou a Copa América de 1989 e a Copa do Mundo de 1994. Jogou também pelo Porto, de Portugal, onde venceu o Campeonato Português de 1989/1990.

Martim Silveira brilhou com a camisa do Guarany na década de 1930. Ele e Branco foram os dois únicos jogadores que passaram pelo clube a ter disputado Copas do Mundo.

Títulos. Campeonato Municipal de Bagé (1918, 1919, 1920, 1921, 1926, 1929, 1932, 1934, 1935, 1938, 1943, 1945, 1946, 1947, 1948, 1950, 1956, 1958, 1960, 1961, 1964, 1965, 1966, 1969, 1970, 1971, 2010 e 2012 e 2013); Vice-campeão citadino (1922, 1924, 1925, 1927, 1928, 1931, 1932, 1933, 1936, 1939, 1940, 1942, 1944, 1949, 1951, 1952, 1953, 1954, 1955, 1957, 1971, 1975, 1976 e 2009).

Não houve disputas nos anos de 1923, 1930, 1962, 1963, 1967, 1968, 1972, 1973 e 1974. Não se tem a informação de qual clube foi o campeão nos anos de 1912, 1913, 1914, 1915, 1916, 1917, 1941 e 1959.

Campeonato Estadual Série A (1920 e 1938); Campeonato Estadual Série B (1969 e 2006); Campeonato Estadual Série C (1999); Campeão do Acesso à Divisão Especial (1960); Taça 50 Anos Zero Hora (1977); Campeonato do Interior Gaúcho (1920, 1926, 1938, 1958 e 1962); Vice-campeão gaúcho da Série A (1926, 1929 e 1958).

Artilheiros do Campeonato Gaúcho Principal. Grecco, com 2 gols (1920); Picão (1938); Artilheiro do Campeonato Gaúcho - Série B, Alexandre Santos, com 12 gols (1997). Artilheiro do Campeonato Gaúcho - Série C, Alexandre Santos, com 18 gols (1999).

Os maiores goleadores da história do clube são: Max, 129 gols; Picão, 125 gols e Rubilar, 123 gols. Picão participou da campanha do título de 1938, tendo jogado no Guarany de 1933 até 1943. Chegou a jogar ao lado de Rubilar, artilheiro também muito reverenciado no ”índio bageense”.

Neste ano de 2013 esteve no Guarany o herói do Internacional, no Mundial de Clubes de 2006, Adriano Gabiru. Ele marcou o gol contra o Barcelona, na maior conquista do colorado em toda a sua história. Mas não deu sorte e acabou dispensado antes mesmo de terminar seu contrato.

O Guarany Futebol Clube tem como seu principal rival o Grêmio Esportivo Bagé, com quem realiza o clássico Ba-Gua, um dos mais tradicionais do Estado. Dede 1921 foram realizados 413 clássicos, com 150 vitórias do Guarany, 121 empates e 142 vitórias do Bagé. O Guarany marcou 496 gols, enquanto o Bagé anotou 477.

O primeiro clássico ocorreu no dia 31 de julho de 1921, válido pela “Taça A. Magalhães”, tendo o jogo terminado empatado em 2 X 2. O Bagé jogou com: Duarte - Fortunato e Gavino - Aníbal Machado - Guri e Estanislau – Leonardo – Argeu – Chico-  Lucídio e Marceló. O Guarany atuou com Balverdu - Avancini e Afonso - Souza Pinto - Seixas e Kluwe – Ratão – Saraiva – Greco - Lagarto e Cláudio.

O segundo confronto foi disputado no mesmo ano, no dia 14 de agosto, com vitória do Bagé por 2 X 1. O primeiro clássico a noite foi jogado em 1953, no “Estrela D’Alva”, com vitória do Bagé por 2 x 1. No final do jogo aconteceu uma briga entre os jogadores das duas equipes.

A denominação Ba-Gua foi dada anos mais tarde do primeiro confronto, pelo jornalista bageense Mário Nogueira Lopes, quando de um clássico de basquetebol, disputado pelos dois clubes, mas acabou transcendendo para o futebol.

O Guarany manda seus jogos no “Estádio Antônio Magalhães Rosel”, também conhecido por “Estrela D’Alva”, que tem capacidade para 10 mil expectadores. (Pesquisa: Nilo Dias)

Guarany F.B.C., campeão gaúcho de 1920. (Foto: Acervo fotográfico do Guarany F.C.)