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domingo, 26 de janeiro de 2014

O “Jogo da Paz”

Em 18 de agosto de 2004 a Seleção Brasileira de Futebol esteve em Porto Príncipe, no Haiti, para o chamado “jogo da Paz”, um amistoso frente a Seleção Nacional daquele país tão devastado por problemas de toda a ordem, o que chamou a atenção da sociedade internacional. Tanto é verdade que o jogo foi transmitido pela TV para mais de 100 países.

O acontecimento se deu por iniciativa do ex-presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva, que gostou da sugestão dada pelo primeiro ministro do Haiti, na época, Gérard Latortue, que disse preferir a presença da Seleção de Futebol do Brasil, em seu país, que o envio de soldados.

O Brasil liderou a ocupação militar proposta pela ONU, iniciada em 2004. Naquele período, o Haiti, país mais pobre das Américas, passava por uma grave crise política, com 80% da população vivendo abaixo da linha da pobreza e 50% eram analfabetos.

O amistoso proporcionou uma grande festa. Até o ex-jogador haitiano Emmanuel Sanon, o “Manno”, considerado um herói nacional, voltou ao país depois de 30 anos fora, para assistir o jogo.

Em 15 de junho de 1974, na Copa do Mundo disputada na Alemanha, “Manno”, marcou o gol da Seleção do Haiti cotra a Itália, quebrando um recorde do goleiro italiano Dino Zoff, que não levava um gol havia 1.143 minutos, ou 12 jogos.

O gol foi uma pintura. “Manno” driblou Zoff e colocou a bola na rede. Embora o jogo tenha terminado com uma vitória da Itália por 3 X 1, aquele gol fez o povo haitiano, que vivia sob a ditadura de Jean-Claude “Baby Doc” Duvalier, vibrar de alegria. Depois da Copa, “Manno” foi jogar na Europa e nunca mais havia voltado ao Haiti.

O ex-presidente “Lula”, um notório fã do futebol, encaminhou a ideia a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), que de imediato aceitou. A entidade dirigente do futebol brasileiro precisava estreitar seus laços com o poder público e com a FIFA, para sediar a Copa do Mundo de 2014.

Com o aval da FIFA, o “Jogo da Paz” foi oficializado. “Lula” esteve presente e fez questão de apertar as mãos de todos os jogadores brasileiros, antes da bola rolar.

Por questões de segurança, a delegação brasileira desembarcou no Haiti apenas duas horas antes da partida. O Haiti estava totalmente destruído por causa da guerra civil e não tinha condições de hospedar os jogadores brasileiros.

Por isso, a seleção ficou em Santo Domingo, na República Dominicana, e viajou por cerca de uma hora e meia de avião até Porto Príncipe, local do amistoso. Do alto, ainda no avião fretado, era possível ver a difícil situação do país.

O mar no litoral era negro, totalmente poluído pelo esgoto que era despejado sem qualquer tratamento. Não havia reservatórios de água doce, a cidade era seca. Sem prédios e com 90% das ruas sem asfalto.

Os jogadores brasileiros foram recepcionados pelo Exército Brasileiro. No comando estava o general Augusto Heleno. A seleção foi dividida em três tanques de guerra e seguiu para o estádio, que ficava a cinco quilômetros de distância. A imprensa foi em outros dois blindados e saiu atrás.

Foi um “city tour” pela miséria do país. Milhares de pessoas foram às ruas para recepcionar os jogadores. De bicicleta ou correndo, os haitianos tentavam acompanhar os ídolos brasileiros.

A pobreza impressionava. Em alguns trechos era possível observar mães dando banho em crianças com a água que saía do esgoto. Paralela ao “Jogo da Paz” foi promovida uma campanha de desarmamento junto à população.

O primeiro-ministro Gérard Latortue, chegou a oferecer US$ 1.000 para quem marcasse um gol na Seleção Brasileira. O valor era uma verdadeira fortuna no país. E também garantiu dar de seu próprio bolso, US$ 100 para cada jogador em caso de vitória. Mas o político haitiano acabou fazendo economia, pois o escore foi de 6 X 0 para o Brasil.

O jogo foi realizado no "Estádio Sílvio Cator", em Porto Príncipe. Os gols foram marcados por Ronaldinho Gaúcho (3), Roger (2) e Nilmar. O juiz foi o brasileiro Paulo César de Oliveira. Estima-se que 15 mil pessoas assistiram o jogo, entre elas 300 crianças órfãs da Aids (existem 300 mil ao todo no país), que foram convidadas pela Unicef.

O Brasil mandou a campo Julio Cesar (Fernando Henrique) – Belletti - Juan (Cris) - Roque Júnior e Roberto Carlos (Adriano) - Gilberto Silva (Renato) - Edu (Magrão) - Juninho Pernambucano e Roger (Pedrinho) - Ronaldo (Nilmar) e Ronaldinho Gaúcho. Técnico: Carlos Alberto Parreira

O Haiti jogou com Gabard (Luiogi) – Descouines - Bruny (Desir) - Jacques (Peter Germain) e Stephane – Mones – Guillaune - Bourdot (Barthelmy) e Dersi - Telamour (Gilles) e Mac Herold Max. Técnico: Carlo Marcelin.

Essa foi a segunda vitória da Seleção Brasileira sobre a haitiana, em dois jogos disputados. O primeiro foi em 21 de abril de 1974, em Brasília, goleada de 4 X 0.

Em 2005, foi exibido na “Mostra Internacional do Cinema de São Paulo” o documentário de Caíto Ortiz e João Domelas, “O dia em que o Brasil esteve aqui”, que conta a história dessa partida. (Pesquisa: Nilo Dias)

O povo haitiano saiu as ruas para aplaudir a Seleção Brasileira. (Foto: Promocional)