Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

terça-feira, 14 de julho de 2015

ABC, de Natal, mais um clube centenário

O ABC Futebol Clube, de Natal (RN) comemorou seu centenário no último dia 29 de junho. Surgido em 1915, quando a capital do Rio Grande do Norte era apenas uma cidade pacata e provinciana, com uma população estimada em 27 mil habitantes, o ABC se tornou ao logo dos anos a maior e mais querida agremiação futebolística do Estado e recordista mundial em conquistas de títulos estaduais.

Quando o ABC surgiu o termo prefeito ainda não existia, havia o intendente municipal de Natal, que era o comerciante e abolicionista Romualdo Galvão. Um ano antes, o Rio Grande do Norte havia elegido pela primeira vez pelo voto direto, um governador, que foi o magistrado Joaquim Ferreira Chaves, que acabou com a oligarquia dos Albuquerque Maranhão em terras potiguares.

As diversões em Natal eram restritas apenas ao “Cine Politheama”, do “seu Leal”, ao “Cine-Teatro Carlos Gomes”, hoje “Teatro Alberto Maranhão”, as festas religiosas, um futebol ainda muito primitivo e o circo do “seu” Striguini, que vez por outra aparecia por lá. Em termos de esportes não havia vôlei, nem basquete. Nem concursos de misses, nem biquínis e nem “brejeiras”.

Os homens tinham palavra e prezavam a sua honra, e o nosso “Réis” era moeda forte, conforme disse o ex-presidente do ABC, médico José Tavares, em conferência proferida por ele na comemoração do 44º aniversário do clube, em 1959.

Nesse cenário de pequena e melancólica cidade, foi que na tarde de 29 de junho de 1915, um grupo de jovens, entre eles alguns praticantes de remo, fundou o ABC Futebol Clube.

A reunião ocorreu no casarão do coronel Avelino Alves Freire, respeitado comerciante e presidente da Associação Comercial do Rio Grande do Norte, situado na Avenida Rio Branco, no bairro da Ribeira, com frente para os fundos do então “Cine-Teatro Carlos Gomes”.

Estiveram na reunião e foram considerados fundadores do ABC os seguintes desportistas: João Emílio Freire, filho do coronel Avelino Freire, e eleito por unanimidade como o primeiro presidente do ABC;  o próprio coronel Avelino Alves Freire; Avelino Alves Freire Filho, conhecido como “Lili”, também filho do coronel Avelino e primeiro goleiro do alvinegro potiguar; Alexandre Bigois; Arary Brito; Artur Coelho; Álvaro Borges; Antônio Alves Ferreira; Cipriano Rocha Filho; Carlos Noronha; Cícero Aranha; Francisco Deão; Francisco Antônio; Frederico Murtinho Braga; Francisco Mororó; José Potiguar Pinheiro; José Cabral de Macedo, o “Tarugo”; Júlio Meira e Sá; Josafá dos Santos; João Cirineu de Vasconcelos, o “Baluá”; João dos Santos Filho; José Pedro, o “Pé de Ouro”; José Aurino da Rocha; Luiz Nóbrega; Manoel Dantas Moura; Manuel Dantas Cavalcanti; Manoel Avelino do Amaral; Manoel Bezerra da Silva, o “Paraguay”; Marciano Freire; Mário Eugênio Lira; Silvério Carlos de Noronha e Solon Rufino Aranha.

Na mesma reunião foi escolhido o nome do clube, que por sugestão de José Potiguar Pinheiro, passou a se chamar ABC Futebol Clube, aprovado por unanimidade.

O conjunto de letras ABC prestou uma homenagem ao “Pacto de Amizade Fraternal,” amparado diplomaticamente pelos países Argentina, Brasil e Chile, assinado em 1903. A escolha do nome veio revelar a preocupação social dos jovens rapazes, apesar da maioria pertencer à alta sociedade natalense.

A primeira Diretoria, escolhida também naquela data, ficou formada por João Emílio Freire, presidente; José Potiguar Pinheiro, vice-presidente; Manoel Dantas Moura, 1º secretário; Solon Rufino Aranha, 2º secretário; Avelino Freire Filho, tesoureiro e José dos Santos, diretor de esportes. Essa equipe diretiva ficou à frente do ABC, no período de 29/06/1915 a 03/06/1916.

O pesquisador natalense, Procópio Netto, autor do livro “Os Esportes em Natal”, de 1991, revela que o primeiro jogo do ABC Futebol Clube aconteceu em 20 de setembro de 1915, contra o Natal Esporte Clube. O placar foi uma histórica goleada do ABC por 13 X 1. Não existem maiores detalhes na imprensa local sobre esse jogo.

Já a segunda  partida do ABC mereceu registro no jornal “A República”. O “match” aconteceu no dia 26 de setembro de 1915, às 16 horas, no “ground” da “Vila Cincinato”, contra o América, o seu eterno e mais tradicional rival.

Nova goleada do ABC, dessa feita por 4 X 0. O jornal noticiou que o ABC utilizou seu segundo quadro, enquanto o América contou com seu primeiro quadro.

O 2º “team” do ABC estava assim distribuído: Avelino (Lili) – Batalha, Borges - Cabral (Tarugo) – Paraguay – Freire – Bigois – Moacyr – Mandu - Nóbrega e Mousinho. Reservas: Baluá, Elissozio e Bill.

O 1º “team” do América com Siqueira I – Lélio – Gato – Carvalho – Galo – Antônio – Barros - Siqueira II – Neco - Garcia e Pipio. Reservas: Revorêdo, Lopes e Tupy.

Atuou como referee, assim era chamado o árbitro, Júlio Meira e Sá; referees de linha Manoel Gomes e Aguinaldo Fernandes; referees de goal, que ficavam atrás das traves, Sérgio Severo e Araty Brito. Os gols do ABC foram marcados por Mousinho (dois), Mandu e Baluá

O casal Vicente Farache Netto (1902-1967) e Maria do Rosário Lamas Farache (1906-1949), teve imensa importância na vida do clube. Durante quase 15 anos, enquanto foram casados, de 1935 a 1949, ano da morte de Maria Lamas, o casal protagonizou um verdadeiro caso de amor com o ABC.

Vicente Farache, natural de Natal e filho do italiano José Farache e da brasileira Maria Carmina Farache, era um homem de posses, visto seu pai ter sido um comerciante de prestígio no início do século XX.

Vicente também jogou no seu clube de coração, quando tinha 18 anos. Foi um ponteiro direito bastante limitado, que fez parte do time que conquistou o primeiro título de campeão potiguar.

Consciente de que o futebol não era o seu forte, dedicou-se ao comércio e concluiu o curso de Direito, no Rio de Janeiro, em 1927. Anos depois foi promotor público em Natal, e membro do Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte.

Quando voltou a Natal, em 1928, não quis mais saber de jogar, dedicando-se à condição de dirigente, onde mostrou muita competência, fazendo jus ao título de patrono do clube. Como diretor técnico foi deca campeão potiguar, de 1932 a 1941.

Ele, igualmente foi responsável pela vinda de grandes jogadores para o ABC, entre os quais “Xixico”, primeiro grande ídolo do clube, vindo do Ceará, “Dequinha”, que brilhou no Flamengo, do Rio de Janeiro e o grande ídolo Jorginho Tavares, todos de Mossoró.
Vicente foi bem mais que um dirigente. Era ele que contratava, dispensava, treinava, pagava os salários, empregava jogadores em suas duas lojas na Ribeira, a de sapatos e tecidos “Vicente Farache Netto” e uma joalharia, além de hospedar e alimentar os atletas em dias das partidas, e ainda, comprar o material de treino e de jogo.

Para isso, contou com a ajuda dos quatro irmãos, principalmente de Antônio, o “Tonho” Farache, que com o seu antigo “Ford” transportava os jogadores para onde fosse necessário.

Mas, sem dúvida, o grande lastro de Vicente Farache foi a sua esposa, a chilena Maria Lamas Farache, filha do casal de palestinos Elias e Mercedes Lamas radicalizado no Chile, que por amor ao marido entregou-se de corpo e alma à causa abecedista.

Ela tinha o jeito de um italiano carrancudo, mas era gentil. Só não admitia que alguém falasse mal do ABC na frente dela, aí virava um bicho.

Vicente vivia para o clube, mas dona Maria era quem cuidava de tudo dele e também fazia muito pelo ABC, diz Maria Clotilde da Costa Rodrigues, 89 anos, a “dona Clotilde”, que por 18 anos, de 1937 a 1955, trabalhou na Relojoaria Farache, na Ribeira, pertencente aos irmãos Farache.

Assim como Vicente, Maria Lamas veio de uma família bastante conceituada em Natal, proprietária de respeitadas casas comerciais no tradicional bairro da Ribeira, a “Chilenita” e o “Armazém Elias Lamas”.

A família Lamas foi responsável, juntamente com a família Lamartine, pela introdução em Natal, de um dos esportes mais elitizados: o tênis. Nem por isso, deixou de seguir o marido servindo ao ABC no que fosse possível.

O ABC divide com o América, de Belo Horizonte, a condição de recordista brasileiro de títulos consecutivos, o “deca campeonato” estadual, conquistado entre 1932 e 1941. A façanha está devidamente registrada no “Guiness Book of Records”. Já o América das “Alterosas” foi 10 vezes campeão entre 1916 e 1925.

Os deca campeões pelo ABC Futebol Clube, de 1932 a 1941, foram estes: Tarzan, Diógenes, Edgar, Nené, Daniel, Nunes, Jônatas, Bicudo, Zé Maria, Pedrinho, Albano, Mário Mota, Pageú, Vilarim, Nezinho 1º, Nezinho 2º , Netinho, Cesário, Neguinho, Nenéo, Gageiro, Joãozinho, Zé Lins, Tico, Saravotti, Enéas, Barbalho, Paulino, Elias, Xixico, Dorcelino, Adalberto, Pereirão, Augusto Lourival, Mário Crise, Soldado, Romano, Arlindo, Zeca, Hermes, Acácio, Valter, Teixeira, Osvaldo, Edvard, Nepó e Novinho. Técnico: Vicente Farache nos 10 títulos.

Em 1973, a equipe bateu outro recorde, até hoje inigualável e digno de presença no “Guinnes Book”. Durante 108 dias, o time excursionou pela Europa, Ásia e África, se transformando no clube de futebol a permanecer maior tempo fora do Brasil, um feito que entrou para história do esporte nacional.

A delegação alvinegra deixou Natal em 17 de agosto e retornou no dia 6 de dezembro do mesmo ano, 112 dias contando viagens aéreas e terrestres.

A excursão só aconteceu porque o clube estava suspenso por dois anos, pela então Confederação Brasileira de Desporto (CBD), hoje CBF, por ter utilizado dois jogadores irregulares, Rildo e Marcílio, em um jogo contra o Botafogo (RJ), pelo “Brasileiro” de 1972.

A excursão, em termos esportivos foi um sucesso. Em 24 partidas contra times e seleções dos três continentes, o ABC conseguiu sete vitórias, 12 empates e apenas cinco derrotas. Foram 30 gols a favor e 21 contra.

Para se ter uma ideia do que fez o ABC, nas últimas 14 partidas o time se manteve invicto, enfrentando Seleções como da Romênia, Somália, Etiópia e Líbano. No time, jogadores categorizados como Sabará, Maranhão, Alberi, Danilo Menezes e Jorge “Demolidor”. A maior goleada da excursão foi sobre a seleção Etíope de Novos, 6 X 2.

Os atletas que participaram da excursão foram os goleiros Veludo, Erivan, Floriano e ainda Sabará, Edson, Telino, Walter Cardoso, Anchieta, Wagner, Soares, Baltazar, Valdecy Santana, Maranhão, Libânio, Alberi, Morais, Danilo Menezes e Jorge “Demolidor”, este o artilheiro, balançando as redes adversárias 10 vezes.

O chefe da delegação foi Jácio Fiúza e formada ainda pelo técnico Danilo Alvim, o supervisor José Prudêncio Sobrinho, o médico Sérgio Lamartine, o fisicultor Sebastião Cunha, o massagista Zózimo Nascimento e o jornalista Celso Martinelli, da Rádio Cabugi, que gravava os jogos, reproduzidos depois em Natal para os torcedores saudosos da equipe no outro lado do Atlântico.

Os jogos da excursão foram estes: 29/08: ABC 1 X 0 Fenerbahce, da Turquia, gol de Morais; 31/08: ABC 2 X 3 Altaye, da Turquia. Gols do ABC, Alberi e Jorge “Demolidor”; 02/09: ABC 0 X 0 Manissa, da Turquia; 06/09: ABC 0 X 2 Panathinaikos, da Grécia; 10/09: ABC 0 X 0 Kastoria, da Grécia; 15/09: ABC 1 X 1 Seleção da Romênia. Gol do ABC Jorge “Demolidor”; 17/09: ABC 3 X 3 Arges Pitesti, da Romênia. Gols do ABC, Danilo Menezes, Jorge “Demolidor” e Morais; 19/09: ABC 0 X 1 Craióva, da Romênia; 23/09: ABC 0 X 4 Rapid DFC, da Romênia; 09/10: ABC 0 X 2 Constanza, da Romênia   ; 14/10:     ABC 1 x 0 Zeljaznicar, da Iugoslávia. Gol de Jorge “Demolidor”; 17/10: ABC 0 X  0 Bugoyno, da Iugoslávia; 20/10: ABC 0 X 0 Bor, da Iugoslávia; 04/11: ABC 1 X 1 Seleção do Líbano. Gol do ABC,     Jorge “Demolidor”; 08/11: ABC 6 X 2 Seleção de Novos da Etiópia. Gols de Alberi (2), Jorge “Demolidor” (2), Danilo Menezes e Libânio; 11/11: ABC 0 X 0 Seleção da Etiópia; 16/11: ABC 3 X0 Horsed, da Somália. Gols do ABC, Alberi, Libânio e Soares; 18/11: ABC 4 X 0 Kifnave, da Somália. Gols do ABC, Alberi, Libânio, Valdeci e Anchietas; 21/11: ABC 1 X 1 Seleção da Somália. Gol do ABC, Alberi; 23/11: ABC 2 X 0 Seleção de Uganda. Gols do ABC, Alberi e Anchieta; 25/11: ABC 0 X 0 Express, de Uganda; 27/11: ABC 4 X 0 Arms, da Uganda. Gols do ABC, Jorge “Demolidor” (2), Alberi e Walter Cardoso; 29/11: ABC 1 X 1 Norogoró, da Tanzânia. Gol do ABC, Jorge “Demolidor” e em 30/11: ABC 0 X 0 Seleção da Tanzânia.

O centenário do ABC foi comemorado no Estádio “Frasqueirão” com grande número de torcedores e autoridades presentes a “Missa em Ação de Graças”, celebrada pelo padre Murilo, que fez questão de entoar o hino do clube, que fez eco pelas galerias da praça de esportes.

Entre às várias personalidades do mundo esportivo do Rio Grande do Norte que estiveram presentes, destacaram-se o ministro do Turismo Henrique Eduardo Alves, o senador Garibaldi Alves Filho, o governador Robinson Faria, prefeito de Natal Carlos Eduardo Alves e o presidente da Federação Norte-riograndense de Futebol (FNF), José Vanildo. (Pesquisa: Nilo Dias)

ABC, deca campeão potiguar.(Foto: Arquivo do clube)