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terça-feira, 27 de outubro de 2015

O Galo Preto da Vila Alzira

Agora, por ocasião do aniversário de Pelé, a imprensa brasileira esmiuçou a fundo a vida do jogado. Toda a sua vitoriosa carreira foi relembrada, e nessa busca certamente nada faltou. Foi lembrado até o primeiro gol que Pelé, quando era chamado de “Gasolina”, marcou como profissional, em 1956.

E esse gol foi marcado contra o Corinthians, de Santo André, cidade do interior paulista, da região do ABC. E isso me fez vasculhar a história desse clube centenário, fundado em 15 de agosto de 1912, apenas dois anos após a criação do Sport Club Corinthians Paulista.

O jogo que colocou o até então quase desconhecido Corinthians de Santo André na história, aconteceu no dia 7 de setembro de 1956, no histórico Estádio Américo Guazelli, na Vila Alzira, que não existe mais.  Cedeu espaço ao conjunto de piscinas e a um campo menor, de posição invertida em relação ao original. Américo Guazelli presidiu o clube em 1927.

Foi um amistoso e o Santos goleou impiedosamente por 7 X 1. O jogo, com portões abertos, foi promovido pela Prefeitura Municipal de Santo André, para comemorar o aniversário da Independência.

O gol de Pelé foi marcado aos 36 minutos do segundo tempo. O zagueiro santista Hélvio disputou um lance pelo alto e a bola sobrou na altura do meio-campo para Pelé. Ele dominou a pelota, arrancou, passou pelo volante Schank, driblou mais um marcador, invadiu a área e tocou a bola por baixo das pernas do goleiro Zaluar, marcando o sexto gol santista.

Zaluar, então com 30 anos de idade, era reserva do Corinthians, de Santo André. O goleiro iniciou o jogo no banco e entrou em campo durante a partida, com a missão de tentar evitar um prejuízo ainda maior para o time da casa.

Também como Zaluar, Pelé, então com 15 anos, entrou no segundo tempo, substituindo o experiente Del Vecchio quando o placar já era de 5 X 0.

O Santos mandou a campo Manga - Hélvio e Ivan (Cássio) - Ramiro (Fioti) - Urubatão e Zito (Feijó) - Alfredinho (Dorval) - Álvaro (Raimundinho) e Del Vecchio (Pelé) - Jair e Tite. Técnico: Lula.

Corinthians: Antoninho (Zaluar) - Bugre e Chicão (Talmar) – Mendes - Zico e Schank – Vilmar – Cica - Teleco (Baiano) - Rubens e Dore. Técnico: Jaú.
Juiz: Abílio Ramos. Renda: Cr$ 39.910,00. Gols: Alfredinho (30), Del Vecchio (32), Álvaro (36), Alfredinho (41), Del Vecchio (61), Pelé (81), Vilmar (86) e Jair (89)
Semanas depois do jogo é que Zaluar se deu conta, que mesmo sofrendo uma goleada de 7 X 1, ele havia entrado para a história. E fez questão de divulgar isso até falecer, em 1995. Tinha sempre no bolso um cartão de visita em que constava não apenas o seu nome completo: Zaluar Torres Rodrigues. Este vinha acompanhado de um complemento: “goleiro do primeiro gol de Pelé”. E a data histórica: 07/09/1956.

Nunca na história um goleiro apreciou tanto ter levado um gol. Nas peladas de veteranos que disputava, usava um uniforme especial. Personalizado. Com o seu nome na parte da frente acompanhado da inscrição “Goleiro Rei Pelé 0001″.

Mas na verdade não foi um gol qualquer. Sim, o número um dos 1.284 marcados por Pelé em sua carreira. Zaluar chegou a jogar nas seleções sergipana e baiana e perambulou por vários clubes sem se destacar em nenhum.

Quando da fundação do Corinthians Foot-Ball Club, Santo André pertencia a São Bernardo do Campo. A emancipação aconteceu somente em 1938. 

Aproveitando a mudança, o clube também alterou sua denominação para Corinthians Futebol Clube. Assim como o Sport Club Corinthians Paulista, o nome da equipe de Santo André também surgiu devido ao Corinthians Football Club, equipe inglesa que excursionava pelo Brasil.

A ideia de fundar um clube de futebol nasceu dos garotos que jogavam nas ruas e nas áreas de pastos, e depois sentavam numa calçada frente a fábrica do Zanolli, sob a lua fraca de um poste que dava para a rua Agenor Camargo.

Os fundadores do clube tiveram a chance de escolher o nome do clube entre Flor da Índia e Corinthians, quando da primeira reunião que foi realizada na rua Agenor de Camargo, esquina da Rua da Fábrica, quase ao lado da atual Avenida Perimetral. Prevaleceu a segunda proposta.

Os fundadores do Corinthians, de Santo André foram  meninos entre 12 e 15 anos, relacionados por Paschoalino Assumpção no livro “O Galo Preto de Vila Alzira”. Foram eles: Albino Pezzolo, Alcebiades Pezzolo, Amadeu Veronesi, Américo Tiezzi, Ângelo Balista, Carmine Rossini, Domingos Tiezzi, Henrique Manna, Jacomo Guidotti, João Balista, João Daniel, João Manetti, João Rossini, José Suster, Luiz Berne, Pedro Polez, Romeu Carolo, Severino Gamberini, Sýlvio Brunoro e Túlio Mascotto.

O primeiro presidente do clube foi o desportista Carmine Rossini. A primeira escalação da equipe foi esta: João – Túlio – Manetti -  Polesi e Veronesi - Jacomo e Américo – Paulista – Cortez - Severino e Carmine.

A primeira bola que o clube teve, foi presente do presidente Carmine Rossini, e não durou mais que uma semana, conta o desportista Nicola Rossini, irmão do primeiro mandatário do clube. Os treinos contavam quase sempre com 15 jogadores de cada lado.

Entre 1917 e 1924 jogaram pelo Corinthians João e Nicola Rossini, Pelizon, Caio, Otávio, Guerra, Polez, Joaquim Caiúba, Lindolfo, Italo, Carello, Perigo, Arduíno, Candinho, Cortez, Severino, Albino, Paulo, Amálio, Ferrucio, Veronese, Martelini, Perez, Gabrielzinho, Lenti e Nico.

O primeiro campo se localizava próximo à estrada de ferro. Em 1922 o time ganhou o seu primeiro troféu, a “Taça Independência”. Entre 1928 e 1930 o Corinthians fez fusão com o 1º de Maio, nascendo o Clube Atlético São Bernardo, de curta duração. O clube mudou-se, então,  para a rua Gertrudes de Lima.

A primeira sede foi na rua Agenor de Camargo, 14. A segunda, na rua Alfredo Flaquer, batizada de “garagem”. A terceira foi na mesma rua.

Em 1923, um timaço. E a conquista do Campeonato de São Paulo com apenas uma derrota: Nicola – Otávio e Guerino – Polesi – Lindolfo e caio – Amálio – Perez – Dindino – Quilim e Basílio.

Nessa mesma época o Asilo Anália Franco, de São Paulo, ofertou uma riquíssima medalha de prata, para ser decidida em uma partida contra o Corinthians. Vitória do time de Santo André por 5 X 0 e a conquista da medalha. Foi o maior time da história do clube.

Em 1929 o Corinthians disputou uma partida amistosa contra o São Caetano, da cidade de igual nome, no Estádio Américo Guazelli. O destaque foi a presença de um juiz inglês arbitrando o jogo, o que foi um acontecimento para a época.

Em 1933, 1934 e 1935 foi tricampeão municipal de Santo André. O Corinthians tinha um timaço: Pelado – Souza e Chico Beiço – Haroldo – Tragédia e Chinco – Majorano- Tonico – Sidney – Laércio e Renato. Esse time goleou o São Caetano por 3 X 0, no final de 1935.

Em 13 de julho de 1952, no Estádio Américo Guazzelli, um jogo inesquecível. O Corinthians derrotou o Palmeiras por 2 X 0. O time formou com Ivo - Date e Dias – Radamés - Bria e V. Ferreira – Armando – Branquinho - Campos (Camargo) - Wilson e Mariano. O Palmeiras tinha Fábio - Rubens e Juvenal – Fiume - Túlio e Dema – Odair – Liminha – Silas - Jair e Rodrigues (Alfredinho). Gols: Wilson e Camargo.

O Corinthians disputou 12 edições do campeonato paulista de futebol, pelas segunda, terceira e quarta divisões. Série A2: (1949, 1950, 1951 (campeão da Zona Sul), 1952, 1953, 1955, 1956 e 1970); Série A3 (1957 e 1961); Segunda Divisão (1932). Em1960 parou por falta de recursos financeiros e se dedicou ao futebol amador.

Entre os jogadores mais importantes que vestiram sua camisa destacam-se Paulo Lunardi, Ângelo Balista, Ageklo Lalista, Haroldo Mattei, Zaluar, Américo Guazelli, Antonio Schank Filho, o Schank, que marcou Pelé no dia em que o Rei fez seu 1º gol pelo Peixe, Jovenil Saleme, Paschoalino Assumpção, que foi um dos dirigentes mais antigos do clube e que fez muito pela agremiação, Alécio Cavaggioni, Ariovaldo Alves, Manna e Benê Góes, o popular “18”, que foi um grande artilheiro, entre tantos outros nomes que ficaram marcados entre décadas na história do clube.

O Corinthians de Santo André ainda existe. Com sede e espaço poliesportivo na rua Sete de setembro, 288, na Vila Alzira, eixo comercial em Santo André, o clube tem uma área aproximada de 20 mil metros quadrados.

Hoje, nas dependências da sede, possui quadra coberta, piscina, academia, salões de festa, social, sala dos troféus, campo de futebol, sala para cursos para idosos, lanchonetes e espaço reservado ao setor administrativo.

O Corinthians tem hoje pouco mais de 400 associados, mas a diretoria planeja revitalizar o setor social aderindo mais adeptos às modalidades. Uma das metas é construir, em breve, um busto para Pelé em homenagem ao seu 1º gol no clube.

Os dirigentes destacam que ao longo dos últimos 20 ou 30 anos, o Conselho Deliberativo teve de resistir “às ofertas milionárias de grupos de empreendedores imobiliários” buscando comprar a enorme área.

Na década de 1980, a Volkswagen mostrou interesse em adquirir o patrimônio para investir em supermercados, mas os conselheiros sempre “votaram contra a venda”. De acordo com especulações, o local suportaria seis prédios de 18 andares cada.

Nos bons tempos do profissionalismo era conhecido como “O Galo Preto da Vila Alzira”. O apelido surgiu pelo fato do “Corintinha”, como também era conhecido, aceitar na equipe atletas negros.

Está há muitos anos fora do futebol profissional. Mas agora, está voltando aos poucos aos gramados. Há quatro anos voltou com os másters. Em 2010, a Terceira Divisão do Campeonato Amador. Na bagagem, a camisa tradicional branca, mas também nas versões azul, vinho e amarela.

Quando da comemoração do centenário do clube, em 2012, aconteceu uma vasta programação, com destaque para visitas de antigos atletas e historiadores, além do jantar dançante da noite da sexta-feira , 17 de agosto, nas dependências do salão social, que se constituiu no grande sucesso dos festejos.

São poucos os clubes que chegam aos 100 anos sem mudar o nome. Muitos jogadores famosos jogaram no campo do Estádio Américo Guazelli, casos do capitão do tricampeonato mundial, Carlos Alberto Torres e de Ademir da Guia, o “Divino”, do Palmeiras.

Por muitos anos, a “Festa do Vinho”, do Corinthians, foi famosa e famílias até da Capital não perdiam um reencontro. A festa começava às 21 horas e não acabava antes das 5 horas da manha. (Pesquisa: Nilo Dias)

Corinthians, de Santo André, na década de 1950. (Foto: www.abcdpedia.com.br)