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terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Uma vida dedicada ao Santos F.C.

O Santos Futebol Clube completou 100 anos em 2012. E na metade de todo esse tempo, 50 anos, apenas uma pessoa esteve presente nos momentos de ouro do clube, na era Pelé e mais recentemente nos novos tempos vitoriosos de Neymar e companhia. Trata-se de José Joaquim Neto, o “Zuca”, roupeiro do clube que recém agora, aos 76 anos de idade se aposentou.

Paraibano de Taperoá, onde nasceu no dia 3 de abril de 1939, é filho do casal de agricultores José Joaquim Donato e Judite Maria da Conceição. Tem cinco irmãos ainda vivos, quatro homens e uma mulher. É casado desde 11 de junho de 1964 com Dilza Apolônia Joaquim, paulista de Rancharia (SP), com quem tem seis filhos: Jussara, Jurema, José Marcelo, Alexandre, Alessandra e o caçula Anderson.

Estudou pouco, pois na época em que era criança tudo era difícil, teve de trabalhar na roça com a família desde os 10 anos. Plantavam feijão, milho, mandioca e algodão. É aquela vida. Diversão era só os “bailinhos” de forró e as novenas de santos na Igreja, quando se ia com as namoradas. Nunca jogou futebol, foi conhecer o esporte no Sul. A vida não era fácil para quem trabalha na roça, disse.

Em 1958, com 19 anos de idade foi embora para o Rio de Janeiro. Três de seus irmãos também saíram de lá. No Nordeste é assim, os filhos vão embora e ficam apenas os casais de velhos, porque não tem mesmo para onde ir. Às vezes entregam suas terras, porque não tem com quem trabalhar, a mão de obra é difícil. Então os filhos mandam as coisas para eles, até dinheiro.

O primeiro a sair foi seu irmão mais velho, que faleceu em 1983, vítima de um acidente de carro. Ele morava no Morumbi, em São Paulo. A rua tinha uma subida grande, e ele morava lá em cima, quase em frente o Shopping Morumbi.

Zuca lembra que nessa época saía gente para São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília. O pessoal da agência de ônibus ficava oferecendo passagens. A gente fazia os cálculos, onde seria o melhor, ficava uma semana decidindo. Não tinha ônibus todo dia, aquilo ali era uma vez por mês.

Ele chegou ao Rio de Janeiro com a cara e coragem e só com uma malinha. Levou o endereço de uns parentes, de uns amigos que foram criados com eles lá na Paraíba, e ficou hospedado por lá.

Quem chegava a cidade grande sempre levava cartas de pais para filhos. E se escolhia um dia para fazer as entregas. E as pessoas convidavam para morar com eles. Existia muito apoio quando chegava um nordestino no sul. Eles procuravam e todo mundo vinha ajudar. Havia muita solidariedade das pessoas.

Já no Rio de Janeiro, Zuca tentou voltar aos estudos, mas ingressou no mundo do futebol e teve que parar. Os treinos começavam depois das seis, e ele tinha que estar às sete horas no colégio. Teve que fazer a escolha e preferiu ficar com o futebol.

No Rio de Janeiro trabalhou de vendedor ambulante por uns tempos. Vendia relógio, carnê de sorteios e o que tivesse pela frente. Ganhava apenas comissão, o que era muito pouco. Aí não deu certo e em 1959 ele foi para Santos.

Certo dia, ao ler um jornal, se deparou com o anúncio de um estaleiro do Guarujá, que precisava de funcionários para serviços gerais de concertos em barcos de pesca, lanchas e rebocadores. Foi e ganhou uma das vagas.

Trabalhou como ajudante de carpinteiro. A firma era a Construnave, que construía e concertava barcos. Zuca fez amizade com o gerente, administrador geral, o que facilitou sua vida. Eles alugaram um navio para pegar sal e argila no Nordeste. A embarcação estava por chegar, ia descarregar em Santos e depois iria para o Rio de Janeiro fazer uns reparos.

O gerente seu amigo o colocou na lista de funcionários que fariam parte da companhia de navegação, que pertencia a Construnave, que alugava navios da Naveíco. Zuca foi como ajudante de soldador. Ficaram seis meses no Rio de Janeiro. Mas deu azar, com a demora no concerto do navio a firma entrou em concordata.

O dono, que era o presidente do Santos F.C., na época, Modesto Roma, chamou os funcionários e disse que quem quisesse entrar em acordo, poderia conversar com ele. Quem não quisesse que ingressasse na Justiça.

Zuca foi então convidado por Modesto Roma para trabalhar no Santos F.C. Aceitou e começou no Departamento Amador de Futebol, como roupeiro, em 25 de março de 1963.

Ele disse que em 1962 estava escutando pelo rádio os jogos da Copa do Mundo no Chile. Aí falavam que tinha Pelé, Zito, jogadores do Santos e foi começando a se entrosar com o futebol e aprendendo a amar o Santos.

Nesse tempo os amadores trabalhavam somente duas vezes por semana, terças e quintas-feiras. Para preencher o tempo trabalhava na segunda-feira, ajudando o roupeiro dos profissionais, que era o Ranolfo, um senhor de idade. Ele limpava chuteiras, colocava material no lugar, enchia bola, aquele negócio todo.

Quando das viagens o Ranolfo lhe deixava encarregado de atender o pessoal que ficava. As vezes viajavam uns 18 jogadores e ficavam uns 12 treinando.

Em 1969 o seu Ranolfo se aposentou e Zuca tomou o seu lugar. Ele assumiu com a força dos jogadores, até do Pelé. Lembra da primeira viagem que fez com o Santos para fora do país, com a presença do “Rei”.

Hoje Zuca mora na Praia Grande, onde comprou um apartamento. Aproveita a nova vida de aposentado frequentando com a família a Colônia de Férias do Santos F.C. No fins de semana gosta de sair de carro com os familiares, passear em algum lugar.

Recentemente ele foi ao Paraná, onde sua esposa se criou, embora seja de Rancharia (SP). Este ano, mesmo, sua esposa foi com o filho caçula e uma filha, passar o Carnaval no Paraná.

Zuca lembra de algumas passagens vivenciadas no Santos. Era viagem em cima de viagem. Certa vez o clube foi jogar na Argentina. O jogo estava marcado para Buenos Aires, mas na última hora mudaram para Mar Del Prata. De lá viajaram para Montevidéu, para enfrentar o Peñarol.

Depois de novo na Argentina para jogar com o Racing. Era jogo lá e jogo aqui. Muitas vezes se chegava de viagem pela manhã em Santos e à tarde tinha que viajar novamente, fazer o Campeonato Brasileiro no Nordeste, em Recife, Salvador, qualquer lugar.

O ex-roupeiro gosta de falar do milésimo gol de Pelé. Garante que foi um negócio impressionante. Lembra que o Santos foi fazer um jogo no Recife, pelo Campeonato Brasileiro. Depois desse compromisso ficou faltando um gol para o Pelé fazer o milésimo.

O presidente do clube nessa época era o Athiê Jorge Curi. Depois do jogo em Recife estava marcado um amistoso com o Botafogo, da Paraíba, em João Pessoa, na segunda à noite. Aí, o que fizeram? Contrataram um ônibus de luxo para a viagem de Recife a João Pessoa. Era jogar e voltar, porque no meio de semana já tinha um jogo no Rio.

O vice-presidente do Santos era o coronel do exército Osmar de Moura. E foi ele que arrumou esse jogo. Se o Pelé jogasse poderia fazer o milésimo gol, o que originaria um problema. A imprensa local só falava isso “Pelé vai fazer aqui o milésimo gol”.

O “Rei” recebeu até homenagens na Câmara de Vereadores de João Pessoa. Depois a ida até o estádio que ficava longe do centro da cidade. Casa cheia, gente na rua tentando entrar no estádio e não conseguindo. Superlotação.

Todo mundo querendo ver o milésimo gol em João Pessoa. Mas o Santos queria que o gol fosse marcado no Campeonato Brasileiro, não em um amistoso.

Aí o que fizeram? Engessaram o braço de um goleiro e a perna do outro. E, com a desculpa de que não tinha ninguém para jogar no gol, Pelé foi escalado. E se saiu muito bem. O Santos ganhou por 5 X 2.

A imprensa perguntou como o Santos ia fazer para jogar na quarta-feira com o Vasco, com os goleiros todos machucados. Disseram que no outro dia seriam avaliados pela comissão médica e um dos dois teria condições de jogar.

Veio o jogo no Maracanã e o milésimo gol de Pelé.  E o estádio foi invadido, era repórter de tudo o que era lado querendo entrevistar o “Rei”. Depois que ele conseguiu chegar no vestiário, o pessoal ficou filmando de fora e o time todo teve que amanhecer no Maracanã.

A relação de Zuca com os jogadores foi a melhor possível. Eles sempre o trataram bem. E garante que não é só com o roupeiro esse tratamento de respeito, é com todos os funcionários, o médico, o massagista e o preparador físico.

Ele guarda uma única mágoa do tempo em que trabalhou no clube. Ter sido afastado da função quando da chegada do treinador Wanderlei Luxemburgo, que trouxe um roupeiro de sua confiança.

Na época, Zuca pediu para ir embora. Propôs que o Santos lhe pagasse uma parte de seus direitos, que desse para ele comprar um apartamento. Mas os dirigentes não aceitaram.

O ex-roupeiro conta que é comum os jogadores ganharem chuteiras de presentes dadas por torcedores. Por isso alguns chegam a ter até três pares. É preciso sempre perguntar ao atleta qual a chuteira que ele quer para tal jogo.

O vestiário do Santos leva o nome de Edson Arantes Nascimento. Embora há muito tempo tenha deixado de jogar, ainda tem lá o seu armário. Não está completamente vazio tem dentro a santinha dele, Nossa Senhora dos Montes e umas fitas cassete.

No dia em que comemorou os 50 anos de Clube, o roupeiro foi homenageado com um vídeo produzido pela Santos TV, com mensagens de parabéns dos jogadores e membros da comissão técnica do Peixe. Zuca ainda recebeu uma carta enviada pelo presidente da época, Luis Álvaro de Oliveira Ribeiro e um relógio do Centenário do Santos FC. (Pesquisa: Nilo Dias)

Pelé e Zuca. (Foto: Divulgção)