Boa parte de um vasto material recolhido em muitos anos de pesquisas está disponível nesta página para todos os que se interessam em conhecer o futebol e outros esportes a fundo.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2016

O eterno "luto" do Colo-Colo do Chile

O Club Social y Deportivo Colo-Colo, da cidade de Santiago, é o time de futebol mais popular do Chile. Foi fundado em 19 de Abril de 1925, por um grupo de ex-jogadores do Club Social y Deportivo Magallanes, liderados por David Arellano. Desde 2005, é administrado pela sociedade anônima Blanco y Negro S.A. sob um sistema de concessão.

Em 1925, Arellano e um grupo de jogadores tiveram um desentendimento com a diretoria do Magallanes. Esse grupo deixou a equipe albiceleste, e decidiu criar um novo clube. Essa decisão mudou a história do futebol chileno, afinal, nascia ali o Colo-Colo, hoje a equipe mais popular do país.

Na recém formada agremiação, Arellano seguiu marcando gols e ajudou na conquista de dois títulos: a “Segunda Divisão da Liga Metropolitana de Deportes” e a “Copa dos Campeões de Santiago.”

O Colo-Colo tem como cores o preto e o branco as quais utiliza em seu uniforme desde a fundação. O nome é uma homenagem ao cacique “Colo-Colo”, herói indígena da tribo “Mapuche” na luta contra os espanhóis durante o século XVI e que era conhecido por sua grande inteligência. Por isso, alguns chamam o time de “El Cacique”.

Uma curiosidade acompanha o Colo-Colo, está em luto eterno pela morte trágica de seu fundador, David Alfonso Arellano Moraga que foi também o seu primeiro capitão. E tem seu nome cantado na letra do hino do clube.

“Es Colo Colo como el gran araucano
que va a la lucha jamás sin descansar
porque el recuerdo de David Arellano
siempre lo guía por la senda triunfa”

A cada vez que o Colo-Colo entra em campo, está acompanhado de David Arellano, que aparece na forma de uma enlutada faixa retangular pouco acima do escudo que leva o cacique “mapuche”.

Fora do Chile, Arellano é lembrado apenas por ser um dos precursores da "bicicleta", ou da "chilena", como é conhecida a jogada acrobática na maior parte dos países de língua espanhola. Foi ele quem levou a jogada ao futebol chileno, depois de vê-la na Europa

Em 1927, o Colo-Colo decidiu dar um passo importante em sua história, fazendo sua primeira grande excursão internacional, partindo inicialmente pelas Américas e posteriormente pela Europa, entre janeiro e julho daquele ano, sendo o primeiro clube chileno a jogar em solo europeu.

Na primeira escala no Equador, foram duas partidas, duas goleadas por 7 X 0, e cinco gols de Arellano. Em Cuba, uma vitória e uma derrota. No México, onde a equipe ficou por dois meses, foram disputados 12 jogos, com 10 vitórias chilenas, um empate e uma derrota.

No início de abril, realizaram três jogos em La Coruña, na Espanha. Depois, uma rápida passagem por Portugal, com duas derrotas e uma vitória sobre um combinado de jogadores de Sporting e Benfica. Na volta à Espanha, em 24 de abril, o Colo-Colo perdeu para o Atlético de Madrid por 3 X 1. No dia 1º de maio, Arellano abriu a goleada de 6 X 2 em cima do Real Unión Deportiva (futuro Real Valadollid). O que ninguém poderia imaginar, é que nesse marcaria seu último gol.

No dia seguinte, Colo-Colo e Real Unión se enfrentariam novamente e empataram por 3 X 3. Em um lance banal, durante uma disputa de bola aérea, Arellano, então com 24 anos, acabou vendo o zagueiro David Hornia, cair com o joelho sobre seu estômago. Mais tarde, foi constatada uma inflamação traumática no peritônio, uma membrana que reveste parte do abdômen, e que acabou causando sua morte na tarde do dia 3 de maio.

Algo que, provavelmente, pudesse ser facilmente revertido nos dias de hoje. Inicialmente, o corpo de Arellano foi velado e enterrado em solo espanhol. No Chile, chorava também uma jovem garota, de nome Berta, que havia tido um filho com Arellano, chamado Omar Alfonso. Em 1929, seus restos mortais foram trazidos ao Chile e deixados no “Mausoléu dos Velhos Craques do Colo-Colo”, no “Cemitério Geral de Santiago”.

Com jogos já marcados, o Colo-Colo ficou na Espanha até o dia 14 de junho. Em julho, ainda fez outras três partidas no Uruguai e uma na Argentina antes de regressar ao Chile. Dali em diante, o clube decidiu carregar eternamente no peito a lembrança de Arellano, que viveu e, literalmente, morreu pelo clube que ajudou a criar.

David Alfonso Arellano Moraga nasceu em 29 de julho de 1902, em Santiago. Desde os tempos escolares foi destaque nos jogos de futebol. Aos 17 anos já estava na equipe do Magallanes. Em 1919, estreou na “Primera División”, competição organizada pela “Asociación de Fútbol de Santiago”.

Um ano depois já era o principal artilheiro do time, que ganhou os títulos da “Copa Félix Alegría”, da “Copa Alberto Downe”, da “Copa 12 de Octubre” e da “Copa República de la Asociación de Santiago.”

Em 1921, já atuando como ponta-esquerda, voltou a ser campeão da “Copa República”. Em 1924, foi convocado para defender a “Seleção Chilena” no “Campeonato Sul-Americano” disputado no Uruguai em que o Chile perdeu as três partidas que realizou, contra o time anfitrião, Argentina e Paraguai.

Ganhou prestígio como capitão, e diretor-técnico, tendo disputado élo “scratch” nacional o Sul-Americano de 1926, sediado no Chile. Esse foi o grande momento do atacante, que se sagrou artilheiro do certame, marcando sete gols.

Corria o ano de 1991, e o Chile havia acabado de sair de um governo ditatorial que durou 17 anos. Os resquícios de violência do período talvez tenham sido refletidos na semifinal da “Copa Libertadores”, no duelo entre Colo-Colo e Boca Juniors, onde foi deflagrada uma batalha campal, em que a equipe “mapuche” saiu vitoriosa.

A conquista do mais importante título da história do Colo-Colo teve contornos folclóricos. Na semifinal da edição de 1991 do torneio continental, depois de perder para o Boca Juniors por 1 X 0 na Argentina, o time chileno ganhou por 3 X 1 o jogo de volta, que foi marcado por uma verdadeira batalha campal no “Estádio David Arellano.”

O jogo aconteceu no dia 22 de maio de 1991. O árbitro foi o brasileiro Renato Marsiglia. O Colo-Colo precisava fazer uma diferença de dois gols para ir à final.

O jogo foi difícil. O Colo-Colo só abriu o placar aos 20 minutos do segundo tempo, através de Rubèn Martinez. Dois minutos depois Barticciotto fez 2 X 0. Os argentinos reagiram e LaTorre diminuiu,

O placar agregado de 2 X 2 indicava uma decisão por pênaltis. Mas aos 37 minutos, Patrício ''Pato'' Yañez surgiu na frente do goleiro Navarro Montoya e, com um toque de esquerda, fez o terceiro do Colo-Colo. Foi aí que começou a confusão.

Os argentinos reclamaram impedimento. Houve empurrões e pontapés. Até os repórteres de campo foram envolvidos na briga. Os soldados do “Corpo de Carabineros” entraram no gramado para colocar ordem na bagunça.

O cabo Veloso soltou o comando da correia que segurava o pastor alemão “Ron”. E o cão fez aquilo para o qual foi treinado. Avançou e mordeu a nádega esquerda de Montoya. A confusão parou. E a torcida do Colo-Colo aplaudiu a ação do cachorro.

O comandante da “Escola de Adestramento Canino de Santiago”, Guillermo Benitez deu entrevistas dizendo que “Ron” era um animal amistoso e brincalhão e que não havia motivo de orgulho na mordida no goleiro do Boca.

O cão ganhou tratamento de herói nos jornais do dia seguinte e mesmo nas edições noturnas. “Ron”, permaneceu a serviço da polícia. Ele morreu seis anos depois e está enterrado no cemitério canino da entidade, ao pé do monte San Cristóbal, com direito a lápide e tudo mais. O lugar foi convertido em ponto de peregrinação pelos torcedores do Colo-Colo.

Apesar da confusão da semifinal diante do Boca Juniors, o jogo decisivo contra o Olímpia foi mantido no estádio David Arellano. O policiamento redobrado, no entanto, não impediu que um garoto invadisse o gramado para entrar na história do Colo-Colo de maneira inusitada.

Com uma espécie de carrinho preciso, o menino deslizou pelo gramado e, instantes antes da foto oficial, se posicionou diante dos 11 jogadores que 90 minutos depois conquistariam pela única vez a “Copa Libertadores da América”, para o futebol chileno.

No dia seguinte os jornais publicavam a foto do time campeão, onde aparecia um garoto de tênis brancos, calça azul e blusa amarela, com uma bandeira amarrada ao pescoço.

Antes de se posicionar, o menino tocou o ombro de Luis Perez, que marcou dois gols na vitória por 3 X 0 contra os paraguaios. Intrigados, os torcedores passaram a considerar a misteriosa aparição do garoto, chamado de “hincha fantasma”, como motivo de sorte.

A imprensa local fez uma verdadeira caçada ao menino nos meses que se seguiram a conquista do time chileno, sem nada encontrar. Logo, a imagem passou a ser tratada como um amuleto, um fantasma que apareceu no Estádio Monumental para a eternidade.

Mas que diabos seria o garotinho? Todos queriam sabem quem ele era, mas ninguém o conhecia. Funcionários, torcedores organizados, jornalistas, e nada, a identidade do fantasma era um mistério. Anos depois um boato surgiu de que o intruso seria o atacante José Luis Villanueva, que inclusive teve discreta passagem pelo Vasco da Gama.

Villanueva, na época com cerca de 10 anos, acompanhou quase todas as partidas como "mascote" da equipe. Mas com a batalha campal da semifinal, a Conmebol exigiu que ninguém alheio ao jogo estivesse em campo. Além disso, Villanueva sequer foi ao estádio e assistiu a decisão pela TV, pois seu pai havia viajado.

Alguns anos depois, alguém na busca de notoriedade se apresentou como o “torcedor fantasma”. Um jornal de Santiago, de grande circulação, até publicou a história. Mas dias depois acabou desmentindo.

Demorou quase 20 anos, mas enfim se descobriu com certeza o paradeiro do garoto. Se descobriu que o verdadeiro “incha fantasma”, também chamado de “jogador número 12”, era Luis Mauricio Lopez Recabarren, conhecido por "Monito", por ser filho de um homem apelidado de "Mono". Luis Mauricio tinha problemas com a lei e por isso preferiu fugir do assédio da imprensa.

Ele morava nas imediações do Estádio Nacional. O pai do menino gostava de tirar fotos com jogadores famosos, entre eles “Pelé”, e o filho herdou o costume. Meses depois voltou a aparecer em um jogo da “Copa América”, entre Chile e Argentina. Se aposentou após levar uma "lição" da Polícia.

Polícia, que faria parte de sua vida como adulto. Desde pequeno, a rua era sua casa. Seu primeiro delito aconteceu com apenas seis anos, quando foi flagrado pelo pai pegando moedas de um ônibus. Mais velho, passou por vários reformatórios.

Vítima de leucemia sucumbiu à doença aos 23 anos de idade, em 30 de julho de 1999, quando se encontrava encarcerado no “Centro de Detenção Preventiva Santiago Sur.”

Em 2009, Luis Lopez, o pai de “Monito” concedeu entrevista ao jornal “El Mercurio”, sobre a meteórica vida de seu filho, e sua "partida de despedida". Disse que os jogadores possuem sua partida de despedida e seu filho a jogou no Estádio Nacional, como grande que foi.

Confirmou que a imprensa chilena entrou em contato para que ele desse entrevistas, tirasse fotos e saísse na TV, mas preferiu se esconder por medo de ser reconhecido, pois já tinha seus problemas com a lei.

Disse que na região onde moravam todos sabiam que era seu filho, porque era conhecido por se meter no campo desde pequeno. Luis Lopez fez primeiro e ele depois o imitou.

O mais curioso disso tudo é que ele não ia ao “Estádio Monumental”, sempre frequentava o “Nacional”, porque era mais perto e fácil de ir. Mas a única vez que foi ao “Monumental” entrou para a história.

O filho de Luis Lopes vivia na rua e não era muito controlado. Nunca se sabia o que ia fazer. Seus pais só se davam conta de que algo estava errado, quando chegava com uma foto ou era visto na televisão. Mas sabiam que ele queria estar entre os jogadores chilenos. Vários deles estavam também na foto com o Colo-Colo.

Foi o dia que o Chile enfrentou a Argentina, a primeira partida. Depois os policiais o pegaram e falaram a ele que o soltariam com uma condição, que nunca mais voltasse a pisar em um gramado de estádio. O filho aceitou e apesar de estar tão próximo, nunca mais quis voltar a um campo.

Depois se fez homem, teve mais problemas com a lei e morreu no cárcere. O que sobrou foram as lembranças. E Luis Lopes acredita que o mais importante é que o “Monito”, seu filho, segue vivo nessas fotos, ainda que seja como um “fantasma” para todos os outros. (Pesquisa: Nilo Dias)


quinta-feira, 15 de dezembro de 2016

Casari: o bom gigante

Giuseppe Casari foi um famoso goleiro italiano que chegou a defender a Seleção Nacional. Era conhecido pelo seu físico imponente, o que lhe valeu o apelido de “O bom gigante”. E também pela liderança e comportamento correto ao longo da carreira, o que lhe rendeu o apelido de "Il Gigante buono" (o bom gigante).

Nasceu no dia 22 de abril de 1922 Martinengo , pequeno município de Bergamo. Deu início a sua carreira em 1938 após uma apresentação em Lecco.

Atuou profissionalmente pela primeira vez em 1944, Casari estreou pelo seu clube local Atalanta em 1945, no “Torneio de Guerra” promovido pela Federação Italiana, para manter os jogadores em forma, enquanto os conflitos mundiais continuassem. O jogo de estréia de Casari no gol da Atalante foi um empate sem gols diante do Bréscia.

Com o fim da guerra Casari pode disputar o campeonato italiano da Série A, onde teve boa participação. Ao todo disputou 251 partidas coma camisa do Atalante, no principal campeonato da Itália.

Casari é lembrado até hoje pelo pioneirismo nas saídas de gol, sempre gritando o hoje tradicional “é minha”. Suas críticas a árbitros e treinadores após os jogos, também não são esquecidas.

Três anos depois de sua estreia pela Aralante, foi chamado pelo lendário técnico Vittorio Pozzo  para as Olimpíadas de Londres de 1948. Mas o indiscutível era Valério Bacigalupo, que morreu no ano seguinte na terrível “Tragédia de Superga!.

No verão de 1950, saiu da Atalanta para assumir a camisa 1 do Napoli, que havia acabado de conquistar a Serie B. E foi convocado para a Copa do Mundo no Brasil pelo técnico Ferrucio Novo. Em terras brasileiras, viu do banco de reservas a eliminação de sua seleção ainda na fase de grupos.

A “Squadra Azzurra” vinha desfalcada pela já citada “Tragédia de Superga”, na qual foram vítimas boa parte do elenco do Torino, base da Seleção Italiana. A vitória por 2 X 0 diante do Paraguai na segunda rodada não foi o suficiente para a classificação a fase final, já que a Itália havia perdido na estréia por 3 X 2 para a Suécia.

Após o Mundial, passou três temporadas na mais tradicional equipe napolitana. Em 1953 perdeu espaço para o recém contratado Ottavio Bugatti, se transferindo na temporada
seguinte para o Calcio Padova, contribuindo com o acesso a elite italiana na temporada
1954-1955.

“Bepi”, como era chamado pelos torcedores, ainda disputou a Serie A do Campeonato Italiano em 1955-1956, quando se retirou dos gramados, com a idade de 34 anos, jogando pelo Padova. Jogou um total de 331 partidas por clubes e seis pela Seleção da Itália.

Casado com Giusy Cassera, teve três filhos e quatro netos. Além da qualidade em campo, “Bepi” também fez parte do folclore do futebol italiano. Durante uma audiência da Seleção Italiana com o então Papa Pio XII, todos os jogadores ajoelhavam-se e beijavam respeitosamente a mão do pontífice.

Ao chegar a vez de Casari, o vinicultor bergamasco de jeito simples, apertou a mão de Pio de maneira bruta para a ocasião, e exclamou em alto e bom som: “Prazer, Casari!”, garantindo as gargalhadas de seus companheiros de equipe.

Reverenciado pela torcida da Atalanta mesmo após o final de sua carreira, acompanhava como possível o time “nerazzurri”. Em 12 de novembro de 2013, aos 91 anos, em Seriate, Itália, Giuseppe Casari deixou de ser ídolo, para se tornar mais uma lenda nos livros de história do futebol mundial. (Pesquisa: Nilo Dias)

Giuseppe Casari. (Foto: Divulgação)

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Querer é poder: cegos treinam futebol

Diz o ditado que em terra de cego quem tem um olho é rei. E com quem não tem nenhum, como é que fica? Duas histórias de cegos que se tornaram treinadores de clubes de futebol dão margem a que se pense nisso.

A revista “Kickoff”, da África do Sul contou a história de Dumisani Ntombela, de 28 anos, técnico do “Silver Spears”, um time amador da cidade de Vosloorus, próximo a Joanesburgo. O blog “Verminosos por futebol” nos conta a trajetória de Flávio Aurélio Silva, treinador de uma equipe amadora em Fortaleza, Ceará.

E Paul Matheson, cego há 10 anos, é treinador na “Henshaws Society for Blind People”, entidade voltada a deficientes visuais na Inglaterra.

O sul-africano teve os olhos extraídos aos dois anos, após um câncer. Diante da difícil condição de vida, o futebol se tornou uma importante válvula de escape. Principalmente a partir dos oito anos, quando Ntombela lançou sua própria equipe, em 1998.

No ano seguinte, ele virou treinador do Silver Spears. Hoje, comanda um time de adultos, o sub-19 e a equipe feminina. Acima de tudo, o técnico se tornou um líder de sua comunidade.

“Deus opera em nossos caminhos coisas que são inexplicáveis. Eu escuto o que está acontecendo em campo, e isso me ajuda a sentir o jogo”, contou o sul-africano à revista. Para quem enxerga só com os olhos, é difícil compreender.

O inglês perdeu a visão há dez anos por causa de um dano no nervo óptico. Consequência do glaucoma. É o único técnico de futebol deficiente visual certificado pela Federação Inglesa.

O futebol deprimiu Matheson. Obcecado pelo esporte e jogador amador, demorou a assimilar que não poderia mais entrar em campo e nem assistir aos jogos do seu amado Newcastle United no estádio Saint James Park, que frequenta desde que tinha cinco anos.

O próprio futebol viria a salvar Matheson. Convidado pela “Henshaws Society for Blind People”, entidade voltada a deficientes visuais na Inglaterra, começou a praticar a modalidade paraolímpica, em que a bola tem um dispositivo que emite sons para que os jogadores saibam onde ela está.

No início, ele não queria. Achava que aquilo não era futebol. Quando tentou a primeira vez, foi pior ainda. Ele ficava parado em campo, esperando a bola chegar, em vez de seguir o som.

Mas aos poucos, foi se acostumando e se reencontrando com a paixão de infância. Com a ajuda da “Newcastle United Foundation”, começou a treinar futsal para crianças em uma quadra aos pés do estádio que ainda frequenta religiosamente todas as temporadas do time profissional.

Com o tempo, passou da molecada aos adultos. E garante que o futebol lhe deu a vida de volta e agora quer retribuir. Confessa que tudo é muito mais do que apenas um jogo.

Matheson quer se especializar no esporte voltado para deficientes visuais. Também como técnico. Garante ter muitas ideias para contribuir com o desenvolvimento da modalidade.

Não possui qualquer pretensão profissional no futebol "normal" de 11 contra 11. Acho que pode retribuir para o futebol tudo o que ele lhe deu. Quer estar dentro do esporte de alguma forma, enxergando além da visão.

Já o brasileiro Flávio teve um baque que mudou sua vida aos 20 anos. Membro fundador do Juventude Esporte Clube, time amador do bairro Bom Jardim, de Fortaleza, o volante perdeu a visão no olho direito após sofrer falta violenta num jogo em 1989, em Caucaia, na Região Metropolitana.

Um ano depois da pancada no rosto, a cegueira afetou o outro olho. Seu mundo caiu, mas o futebol tratou de reerguê-lo. O Juventude, com mais de 390 anos de vida, é o time amador mais tradicional de Fortaleza, que conta com 56 ligas de bairros, dois mil times amadores, 50 mil jogadores e 200 campos.

O Juventude é filiado á 20 anos na Liga da Granja Lisboa, que reúne participantes do Grande Bom Jardim, e é o maior campeão, com cinco títulos. Flávio, hoje com 46 anos, conta que foi  fundador, jogador e agora do time do seu coração

A cegueira não foi motivo para deixar o clube. Passou a ajudar a Diretoria, tornando-se uma espécie de “faz-tudo”. Ficou encarregado de marcar jogos, preparava os uniformes e até motivava o time.
Em 2005, o até então treinador da equipe resolveu se aposentar. Foi a oportunidade que Flávio esperava para ser o técnico, mesmo com o problema da cegueira. Foi assim que começou uma história única no Brasil: um cego treinar uma equipe de futebol.

Em razão da cegueira o treinador tem na audição a principal forma de orientar a equipe. Costuma se posicionar na lateral de campo, do lado da defesa.

Ouve o movimento da bola e dos jogadores, para tomar suas decisões. E garante que não se envergonha em ouvir dicas de jogadores e torcedores. “Não tenho assistente, mas todos me ajudam”.

Não falta quem diga que ele enxerga melhor do que muito treinador que consegue ver. Casio do eletricista Deone Lopes, de 33 anos, centro-avante do time. Ele garante que a perseverança de Flávio empurra os jogadores.

Flávio, mais do que treinador, serve de inspiração para o elenco. Todos os jogadores trabalham durante a semana, e só comparecem aos jogos nos domingos, por causa do Flávio, garante o meia André Barbosa “Piaba”, 35 anos, servente de pedreiro.

O treinador nasceu no Bom Jardim, mas hoje mora no Conjunto Curió, distante 20 km. Para chegar ao campo, pega três ônibus e passa por dois terminais, em 1h30min de viagem. O presidente do Juventude, José Lisboa, cita o fato de Flávio reclamar de lances mesmo sem estar vendo nada.

Mesmo aposentado por invalidez, Flávio faz bico como vendedor de cintos de couro. Quinzena sim, quinzena não, pede licença ao Juventude para viajar o Brasil com seus produtos na mochila, em ônibus interestaduais.

Em Belo Horizonte, casualmente ele conheceu sua esposa, com quem tem duas filhas. “Foi um choque de bengalas. Ela também é cega”, conta.

O Juventude do Bom Jardim veste uniforme com escudo do Esporte Clube Juventude, time de Caxias do Sul (RS). Até mesmo o ano de fundação do clube gaúcho (1913) foi mantido, apesar de o Juventude fortalezense ter sido fundado sete décadas depois, em 1985.

A reportagem do site “Verminosos por Futebol”, sobre o treinador cego, foi responsável pela empresa “Fackel Sports”, fabricante cearense de material esportivo, doar um fardamento completo ao Juventude.

“Galeguim”, diretor do clube, garante que o Juventude nunca teve um fardamento tão bonito em toda a sua história. Foram entregues 18 camisas e calções, com design no nível de clube profissional.
A “Fackel Sports” foi fundada em 2000, em Fortaleza.

A origem do nome “Fackel” surgiu durante as olimpíadas de Sidney. A inspiração veio da tocha olímpica. A primeiro marca pensada foi “Torch” que significa tocha de fogo.

Assim nasceu a “Fackel Sports”. Na época o dono da empresa, Potyguara Junyor, era jogador profissional. A empresa” já produziu  uniformes para o Messejana, Tiradentes, São Benedito e Crateús, além do material de treino do Ferroviário.

O presidente da Federação Cearense de Futebol (FCF), Mauro Carmélio, que também é um dos coordenadores da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) no Nordeste, fez uma homenagem a Flávio Aurélio Silva.

O dirigente o recebeu na sede da Federação e presenteou o clube com uniformes titular e reserva, roupas de treinador e 10 bolas oficiais. E Flávio ainda ganhou uma bola da Copa do Mundo de 2014. 


Dumisani Ntombela, é técnico do “Silver Spears”, time amador da África do Sul. (Foto: Divulgação)

Flávio Aurélio Silva, treinador do Juventude, time amador de Fortaleza (CE). (Fotos: Site "Verminosos por Futebol")

Paul Mathesoné treinador em uma entidade voltada para futebol de deficientes visuais na Inglaterra. (Foto: Divulgação)

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016

Heleno, o craque que morreu louco

Indiscutivelmente Heleno de Freitas foi um dos melhores jogadores que o futebol brasileiro conheceu em todos os tempos. Era mineiro de São João Nepomuceno, onde nasceu a 12 de fevereiro de 1920. Morreu em Barbacena, também em Minas Gerias, no dia 8 de novembro de 1959, com apenas 39 anos de idade.

Heleno estudou no Colégio São Bento e depois obteve o bacharelado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, atual Faculdade Nacional de Direito da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Era considerado membro da alta sociedade, com amigos empresários, juristas e diplomatas. Seu pai era dono de um cafezal e ainda cuidava de negócios de papel e chapéus.

Sua vida foi marcada por vícios em drogas como lança-perfume e éter. Isto o fez tentar se auto-eletrocutar num treino do Botafogo. Boêmio, era frequentador de diversas boates do Rio de Janeiro.

Heleno foi casado com Ilma, que conhecia muito bem os problemas do jogador com drogas e mulheres. E mesmo assim disse que o aceitaria como era. Com ela teve um filho apenas, Luiz Eduardo.
Não aguentando mais o temperamento de Heleno de Freitas, ela fugiu para Petrópolis em 1952.

Depois casou com o melhor amigo dele, à quem Heleno pedira que cuidasse dela, enquanto ele jogava no Boca Juniors, da Argentina. Seu amigo acabou se apaixonando por Ilma. Luiz Eduardo — por ter perdido contato desde a mudança — só teve notícias sobre o pai com 10 anos de idade, justamente sobre seu falecimento.

Além de jogador de futebol era advogado, catimbeiro, boa vida, irritadiço e metido a galã. Tinha uma boa aparência, mas quase intratável, em razão de seu gênio destemperado. Por causa disso muitas vezes era expulso de campo.

Teve muitos inimigos. Seus companheiros do “Clube dos Cafajestes” e a torcida do Fluminense o apelidaram de “Gilda”, por seu temperamento e por este ser o nome de uma personagem da atriz norte-americana Rita Hayworth em filme de mesmo nome.

Era Heleno reclamar de qualquer coisa para o povo começar a gritar “Gilda, Gilda!”, o que enfurecia o pobre Heleno cada vez mais. Aí, ele perdia a razão. Xingava quem estivesse pela frente.

Um domingo, jogando em General Severiano, a social do Botafogo, que supostamente deveria apoiar o time, começou a chamar Heleno de “Gilda”, que levando o dedo a boca pediu silêncio aos sócios. A reação foi terrível. A social não parou mais de chamar o maior ídolo do Botafogo, naquela época, de Gilda.

Era Heleno pegar na bola e lá vinha o coro de “Gilda, Gilda”.
Calmamente, ele veio caminhando em direção à social - é preciso dizer que a social dos clubes naqueles anos 30 e 40, era o único lugar nos estádios frequentados por senhoras acompanhando seus maridos -, se postou bem em frente, fez como se fosse agradecer e, repentinamente abaixou o calção.

Foi terrível. Foi só a partir desse episódio que os jogadores foram obrigados a usar uma espécie de sunga elástica por baixo do calção.
O escândalo foi tamanho que o Botafogo se viu na obrigação de vender Heleno para o Boca Juniors, da Argentina.

O craque foi o símbolo de um Botafogo guerreiro, que nunca se dava por vencido. Descoberto por Neném Prancha no time do Botafogo de praia, Heleno chegou ao onze principal em 1937, com a responsabilidade de substituir o ídolo Carvalho Leite, goleador do tetracampeonato estadual, de 1932 a 35 e não decepcionou a torcida, com grande habilidade e excelente cabeceio.

Dono de uma postura elegante dentro e fora de campo, o jogador de cerca de 1,82 metros de altura foi o maior ídolo alvinegro antes de Garrincha, mesmo sem nunca ter sido campeão pelo clube.

Heleno andava ao volante de um Cadillac branco, rabo de peixe, conversível.  Advogado formado, anel no dedo médio da mão direita. Era venerado pelas mulheres e invejado pelos homens. Mas - era obrigatório ter um “mas” -, quando calçava as chuteiras, se transformava.

Jogava muito. Diziam que ele tinha sido o maior camisa 9 de todos os tempos - só que perdia a razão com a maior facilidade. Se irritava tanto com os adversários quanto com seus companheiros.

Marcou sua passagem pelo Botafogo com 204 gols em 233 partidas, tornando-se o quarto maior artilheiro da história do clube. Deixou General Severiano em 1948, quando foi vendido ao Boca Juniors, da Argentina, na maior transação do futebol brasileiro até então.

Jogou ainda no Vasco da Gama, conquistando seu único título por clube, o de campeão carioca de 1949 com o memorável “Expresso da Vitória”, pelo Atlético Junior de Barranquilla, da Liga Pirata da Colômbia, pelo Santos e pelo América, onde encerrou a carreira.

No clube americano jogou apenas uma vez. Foi no Maracanã, tendo sido expulso aos 35 minutos do primeiro tempo, depois de acertar um carrinho violento em um zagueiro adversário.

Ainda tentou voltar aos gramados defendendo o Flamengo, por indicação do técnico “Kanela”, mas se desentendeu com os jogadores num treino e não foi aceito.


Em maio de 1953, jogou a sua última partida antes da internação. Com a camisa vermelha e branca do Rochedo de Minas, da cidade de mesmo nome, enfrentou um combinado de Guarani. Heleno foi o centroavante. Não ria para ninguém, era grande e glamuroso. Num lance, matou a bola no peito e fuzilou o canto do goleiro. No outro, chutou de fora da área, marcando outro golaço.

Fez 18 partidas pela Seleção Brasileira marcando 19 gols, tendo sido artilheiro do Campeonato Sul-Americano de Futebol de 1945 - atual Copa América - com 6 gols.

Heleno sonhava em disputar uma Copa do Mundo, mas devido à 2.ª Guerra Mundial, no auge da sua carreira, o Mundial foi cancelado em duas ocasiões, 1942 e 1946.

Heleno foi um dos personagens favoritos de escritores e jornalistas. Na lista de fãs, se destaca o escritor colombiano Gabriel García Márquez, autor do clássico “Cem Anos de Solidão” e vencedor do prêmio Nobel de Literatura em 1983.

O colombiano era jornalista do periódico “El Heraldo” quando Heleno foi contratado pelo Atlético de Barranquilla, em 1950. Na coletânea “Obra jornalística - Vol. 1 - Textos caribenhos”, da Editora Record, em 2006, foram selecionados dois textos do escritor sobre o jogador brasileiro: “O doutor De Freitas” e “Heleno de ponta a ponta”.

Gabriel Garcia Marques escreveu que “em nenhum caso uma partida da qual participe Heleno tem probabilidade de se transformar num logro, porque vaiar, da mesma maneira como aplaudir, é uma forma coletiva de reconhecer publicamente um fato”.

E ainda: “Heleno de Freitas tinha pinta de cigano, cara de Rodolfo Valentino e humor de cão raivoso. Nas canchas, resplandecia. Uma noite, perdeu todo o seu dinheiro no cassino. Outra noite perdeu não se sabe onde, toda a vontade de viver. E na última noite morreu, delirando, num hospício”.

O escritor uruguaio Eduardo Galeano contou: “Heleno foi visitar um amigo doente. E então aconteceu o seguinte: todas as mulheres da casa, da avó à lavadeira, apaixonaram-se por ele.”

O grande jornalista e dramaturgo brasileiro, Nelson Rodrigues, assim, descreveu o ex-jogador: “Heleno de Freitas, o craque das mais belas expressões corporais que conheci nos estádios, morreu, sem gestos, de paralisia progressiva e descansa, hoje, no cemitério de São João Nepomuceno, onde nasceu um dia para jogar a própria vida num match sem intervalo entre a glória e a desgraça.”

O jornalista Amando Nogueira foi taxativo: “Por ser um jogador boa pinta, elegante, de classe alta e boêmio, envolveu-se com várias mulheres e por causa disso contraiu sífilis, que o deixou louco.”

E por fim, Roberto Drumond, escritor e ex-colunista do Estado de Minas: “O grande Heleno de Freitas, o deus das cabeçadas, que deslumbrou plateias do mundo, envergando, entre outras, as gloriosas jaquetas do Botafogo e do Boca Juniors. (...). Aquele que aqui na terra foi um Deus, que multiplicou gols como se gols fossem peixes.”

Em Minas Gerais, a ficção "Quando fui morto em Cuba", de Roberto Drummond, criou um romance hipotético entre Heleno e Rita Hayworth, que viveu “Gilda”, nos cinemas. Durante a carreira o jogador era chamado de "Gilda", pelos rivais, por ser genioso como a personagem vivida por Hayworth.

Segundo o ex-goleiro Danton, Heleno, já internado em um sanatório, assistia acompanhado de um médico os jogos do Olympic de Barbacena e, dentre seus delírios megalomaníacos, contava que teve casos amorosos com várias mulheres bonitas, incluindo um nunca comprovado com Eva Perón no período em que jogou na Argentina.

Veio a falecer no ano de 1959, em um hospício de Barbacena, onde foi internado seis anos antes, em 1953, com apoio da família.

Sua vida é retratada no livro “Nunca houve um homem como Heleno”, do jornalista e escritor Marcos Eduardo Neves, e no filme “Heleno”, estrelado por Rodrigo Santoro, que fez o papel título e Aline Moraes, que fez sua esposa, cujo nome foi mudado para Sílvia.

Títulos conquistados. Pela Seleção Brasileira: Copa Roca (1945) e Copa Rio Branco (1947); Botafogo: Torneio Inicio (1947). Campeonato Carioca de Aspirantes (1944 e 1945). Campeonato Carioca de Amadores (1943 e 1944). Copa Burgos, na Espanha (1941). Taça Prefeito Dr. Durval Neves da Rocha (1942); Vasco da Gama: Campeão Carioca (1949). Campeão Carioca de Aspirantes (1949); Santos: Taça Santos (1952). Torneio FPF (1952). Quadrangular de Belo Horizonte (1951).

Artilharia. Copa América (1945). Botafogo: Campeonato Carioca (1942).

O médico José Theobaldo Tollendal foi quem descobriu, em exame na Casa de Saúde Santa Clara, em Belo Horizonte, a doença que mataria Heleno: paralisia geral progressiva (PPG).

Um mês depois, em 19 de dezembro de 1954, Heleno de Feitas deu entrada na Casa de Saúde São Sebastião, segundo documentos do prontuário 220, uma pasta com cerca de 120 cartas trocadas entre o médico e Heraldo de Freitas, irmão do ex-craque, que custeou as despesas.

Para a médica Lucinéia Carvalhaes, diretora clínica do Hospital Eduardo de Menezes, em Belo Horizonte, referência nacional em doenças infecciosas, “é possível que Heleno tenha contraído sífilis nos primeiros anos da vida sexual, pois era comum então ter as primeiras relações com prostitutas”.

Também conhecida por neurossífilis ou sífilis terciária, a PPG é uma manifestação tardia da doença. Não tem cura e o tratamento apenas impede o avanço, sem dar fim às sequelas. A sífilis é um mal silencioso. Na primeira fase, aparecem pequenas feridas, que somem em três semanas. Pouco tempo depois, a manifestação é uma alergia no corpo, que igualmente desaparece.

O paciente perde peso, apresenta fortes dores musculares e passa a caminhar com a base alargada, como se estivesse perdendo o equilíbrio. As principais manifestações psiquiátricas são mania de grandeza, discurso sem nexo e confusão entre fantasia e realidade – sintomas apresentados por Heleno.

Segundo a sobrinha do jogador, Helenize de Freitas, Heleno contava muitos casos já durante o período que morou em São João Nepomuceno, entre 1952 e 1954, antes de se internar em definitivo.

Ele contava que era amigo de Víctor Mature, ator de “Sansão e Dalila”. Como ele convivia com muitos artistas nos tempos de glória do Rio, não se sabia se era verdade. Só depois, mais tarde, que foi percebido que aquilo já era delírio de Heleno.

Sempre ao lado do médico, tomava refrigerante no Bar Colonial e buscava charutos na Tabacaria Minas Gerais, no Centro. Ele passava, pegava o fumo, dizia "Eu sou o Heleno" e saía sem pagar”, contam os irmãos Luiz Galvão e Sebastião Pereira, herdeiros da loja. 

Com mania de grandeza, falava coisas sem nexo. Os tempos de glória ainda o atormentavam. Dizia que a cada gol pelo Boca Juniors era obrigado a dar um abraço em Evita Perón, a primeira-dama argentina.

No fim de 1957, Tollendal escreveu a Heraldo: A saúde e a sanidade pioravam rapidamente. Ele havia perdido muito peso, os dentes estavam enfraquecidos e o cabelo caía. Havia passado a ouvir vozes, agir de forma violenta e infantil, comer papel e rasgar roupas com os dentes.

Pele enrugada, cabelos ralos e brancos, aos 38 anos, o homem de 1,80m pesava pouco mais de 40 kg. Na manhã de 8 de novembro de 1959, ao abrir a porta do quarto com o café da manhã, um enfermeiro encontrou Heleno morto.

A ida do corpo para São João Nepomuceno foi tão conturbada quando a vida do mito. Caía verdadeiro dilúvio. Às 15 horas, perto de Juiz de Fora, o caixão teve de ser trocado de carro, que meia hora depois atolou. Só chegou à cidade às 9h da manhã seguinte.

“No velório, um senhor de cerca de 50 anos ficou o tempo todo ao lado do caixão. Devia ser alguém que conviveu com o astro. Depois ninguém nunca mais o viu”, lembra Helenize.

O comércio fechou e uma fila seguiu o caixão da casa da família, na Rua Capitão Braz, até o cemitério São João Batista, onde Heleno foi enterrado às 15 horas, ao lado dos pais e de Heraldo.