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quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

Um caso único no mundo

O homem que teve um minuto de silêncio quando ainda estava vivo
Pierre Ndaye Mulamba foi um dos grandes jogadores da República Democrática do Congo, quando o país se chamava Zaire. Ele nasceu no dia 4 de novembro de 1948 em Luluabourg, agora Kananga, no Congo Belga.

Jogou nos tempos conturbados em que Mobutu esteve no poder. Pierre estabeleceu recordes de gols e levou a seleção nacional a disputar o Mundial de 1974. Acabou caindo no esquecimento e chegou a ser considerado morto.

A fama de Pierre Ndaye Mulamba naquela época era tanta, que ganhou o apelido de “Mutumbula”, que quer dizer predador ou assassino e também de “Volvo”. Seugrandefeito foi ter anotado 9 gols na disputa da Copa dos Campeões Africanos em 1974, ganha pelo Zaire. No jogo final contra Zâmbia, marcou os quatro gols na vitória de 4X 0.

Em 1973 anotou um dos gols contra Marrocos, na vitória de 3 X 0 que levou a Seleção do Zaire a disputar a Copa do mundo de 1974, na Alemanha. Foi a primeira seleção africana a disputar um Mundial. Chegou a ser condecorado com a “Ordem do Leopard”, pelo presidente Mobutu Sese Seko.

Ele foi capitão do time na Copa da Alemanha, e jogou na derrota por 2 X 0 frente à Escócia, mas foi expulso aos 22 minutos contra a Iugoslávia, quando sua equipe já perdia por 4 X 0. O jogo terminou com o escore de 9 X 0.

A competição viu Mulamba e seus companheiros transformarem-se em mártires após terem sido heróis. O clima era de tensão entre os jogadores, que nunca tinham visto as recompensas prometidas pela conquista continental. Sabe-se que um dirigente fugiu com o dinheiro dos prémios. O time chegou a ameaçar não entrar em campo.

Haviam perdido a motivação e poderiam ter deixado entrar 20 gols, segundo diziam os jogadores. O Zaire ainda perdeu para o Brasil por 3 X 0, na despedida do Campeonato. Os componentes daquela seleção tornaram-se verdadeiros párias.

Alguns caíram no esquecimento, outros viram a carreira definhar: Mulamba foi impedido de transferir-se para o Paris Saint-Germain e continuou no AS Vita Club até 1988, quando decidiu encerrar a carreira.

Começou a jogar futebol em 1963, mesmo contra a vontade de seu pai que desejava que ele continuasse os estudos. Atuou no Renaissance du Kasaï, onde ficou até 1972. Estreou no time titular aos 15 anos de idade, marcando dois gols contra o União Saint-Gilloise.

Depois foi para o AS Bantu, de Mbuji-Mayo, onde jogou nos anos de 1972 e 1973. Dali transferiu-se para o AS Vita Clube, onde permaneceu por longo tempo, de 1973 a 1988, quando aposentou-se do futebol.

Até 2010 Mulamba trabalhou como treinador de equipes amadoras da África do Sul. Antes, havia se casado com uma mulher local.
O ano de 1974 foi o melhor da história do futebol do Zaire, com muitas conquistas. Mas também foi o ano em que o futebol zairense começou a sua queda.

Em 1994 a Confederação Africana de Futebol resolveu homenageá-lo por ocasião dos 20 anos do seu recorde de nove gols no Campeonato de Seleções da África. O ex-craque então viajou até à Tunísia. Foi quando seus problemas se agravaram. No retorno ao Congo, o Governo acreditava que ele tinha recebido uma grande quantia de dinheiro.

Em consequência, sofreu todos os tipos de pressões. Uma noite foi atacado por soldados, que o balearam na perna. Teve de sair do país para salvar a vida. Um dos seus filhos, de nome Tridon, foi morto na confusão, e a atmosfera, no final do regime de Mobutu, tornava impossível ficar no país.

Em fuga, foi parar num bairro pobre da Cidade do Cabo, na África do Sul. Trabalhou de arrumador de carros para sobreviver. No seu país, onde Mobutu fora deposto, Mulamba era dado como morto. Ao ponto de, no Campeonato Africano das Nações, em 1998, ter sido guardado um minuto de silêncio em memória daquele que continuava a ser o maior goleador de uma só edição da prova. Esse foi um caso único no futebol mundial

Ao se saber que ele estava vivo, a African Soccer Magazine resolveu procurá-lo. E assim ele conseguiu voltar ao futebol para trabalhar com equipes formadas por refugiados. Acabou sendo protagonista de um documentário e voltou a ser lembrado com o Mundial 2010, o primeiro em solo africano, precisamente na África do Sul.

Ainda em 2010 ele foi protagonista de um filme: “Esqueceu-se do Ouro”. E foi afinal recompensado por tudo que fez para o futebol Africano, por Sepp Blatter em 2009 ao lado de Abedi Pelé. Ele é atualmente o treinador do trabalho voluntário com jovens sul-africanos. (Pesquisa: Nilo Dias)

Vivo e homenageado com um minuto de silêncio. (Foto: Divulgação)