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sábado, 7 de maio de 2016

Morreu o craque que quase fez o Estádio Olímpico desmoronar

Morreu na sexta-feira, 6, aos 83 anos de idade, Larry Pinto de Faria, um dos maiores jogadores da história do S.C. Internacional, de Porto Alegre. Desde dezembro do ano passado ele tratava de uma pneumonia. Em 29 de abril, seu estado piorou e teve de ser internado no Hospital Santa Clara, onde sofreu uma parada cardíaca e faleceu por volta das 6 horas da manhã.

O velório de Larry foi realizado na Capela Nossa Senhora das Vitórias, no estádio Beira-Rio. O funeral aconteceu às 16h de sábado no Crematório Metropolitano Saint Hilaire. O ex-craque deixa a mulher, Maria Luiza, os filhos Marcelo, Larry Júnior e Zilda Maria, além de seis netos e uma bisneta

Era natural de Nova Friburgo (RJ), onde nasceu a 3 de novembro de 1932.Começou a jogar nos mirins do Friburgo, time de sua terra natal, na posição de meia-esquerda. A infância e a puberdade ocorreram sem novidades. E em plena adolescência, aos 17 anos, mudou-para a antiga capital federal, para se matricular no Curso Preparatório para Oficiais da Reserva (CPOR).

No Rio continuou a manter estreitas relações com o futebol. Procurou o Fluminense e integrou-se na equipe de jovens, cujo técnico era Oto Glória. Em 1951 ganhou seu primeiro título no futebol, campeão carioca de juvenis. Ficou no Fluminense até 1954, quando se transferiu para o colorado gaúcho. Era um camisa 9 eminentemente técnico, que jogava com elegância e não trombava com os adversários.

A torcida colorada logo simpatizou com ele, pois já no segundo clássico Gre-Nal que disputou, o da inauguração do Estádio Olímpico, do maior rival, o Internacional aplicou uma goleada de 6 X 2 e Larry marcou quatro gols, em um fiasco que os gremistas antigos não esquecem.

A capacidade técnica de Larry ia muito além de fazer gols. Era um atleta clássico, refinado, coisa rara entre os centroavantes da época e de qualquer tempo. Tinha como companheiro de ataque um outro jogador excepcional, Bodinho, um pernambucano , que com ele formou uma dupla infernal, capaz de tabelinhas só comparáveis às dos santistas Pelé e Coutinho.

Um feito notável de Larry foi o de ter marcado 23 gols em apenas 18 partidas, quando só não se sagrou artilheiro do Campeonato Gaúcho de 1955, porque Bodinho fez 25 gols. A moral de Larry com a torcida vermelha era tanta, que mesmo errando dois pênaltis contra o Renner, que tiraram o Inter da disputa do título gaúcho de 1958, saiu de campo aplaudido.

Como jogador Larry foi campeão carioca em 1951 e fez parte do elenco que disputou e ganhou a Copa Rio, em 1952. Mas fora convocado para a Seleção Olímpica, o que prejudicou seu aproveitamento pelo time tricolor.

Porém, foi o artilheiro da Seleção Brasileira nos Jogos Olímpicos de Verão de 1952, quando marcou quatro gols em três jogos. Larry também foi o segundo jogador que marcou um gol do Brasil em olimpíadas, em Helsinque.

O primeiro gol foi marcado por Humberto Tozzi, na vitória de 5 X 1 sobre a Seleção da Holanda. O time brasileiro também contava com craques como Evaristo, Vavá, Zózimo, Carlos Alberto, Mauro, Valdir, Adézio, Milton Bororó, Humberto Tozzi e Jansen .  Foi, ainda, campeão Pan-Americano em 1956, quando a seleção gaúcha representou o Brasil. Pelo Internacional ganhou o Campeonato Gaúcho de 1954 e o de 1961.

O Brasil venceu duas partidas seguidas, 5 X 1 sobre a Holanda e 2 X 1 sobre Luxemburgo , até sofrer uma goleada para a Alemanha. O Brasil começou vencendo a Alemanha por 2 X 0 até os 30 minutos do segundo tempo. Os alemães empataram no último minuto.

Na prorrogação, 4 X 2 para a Alemanha e o Brasil, eliminado. A campanha acabou considerada boa e todos os jogadores tiveram três dias de folga em Paris, a capital francesa.

Depois que deixou os gramados trabalhou na Caixa Econômica Estadual. Entrou para a política, sendo eleito vereador em Porto Alegre por quatro vezes, secretário municipal da Produção, Indústria e Comércio (Smic) (de 1983 a 1985) e ainda suplente de deputado estadual. 

Também atuou como comentarista esportivo na extinta TV Difusora, canal 10 de Porto Alegre, nos programas “Portovisão” e “Meio-Dia - A Hora Local”. Trabalhou como comentarista esportivo na Rádio Gaúcha.

Quando chegou ao Internacional, Larry morou por um ano no antigo Estádio dos Eucaliptos, a casa colorada antes da construção do Beira Rio, junto de Bodinho, Gerônimo e Salvador . Lembra de quando o estádio foi derrubado. Ele ia consultar com um médico, nas cercanias do Eucaliptos, quando ouviu o barulho das máquinas.

Teve medo. Desconfiava do que se tratava, pois sabia que a área havia sido vendida para a Melnick Even, por R$ 28 milhões, bem mais do que o dinheiro arrecadado por Ildo Meneghetti para comprar o terreno no Menino Deus, em 1931. Quatro anos depois da conclusão do negócio, o estádio começou a desaparecer para dar lugar as torres de um condomínio de luxo.

E em vez do alojamento que serviu de casa para Larry Pinto de Faria, Bodinho, Jerônimo e Salvador, áreas de lazer. Em vez das arquibancadas da Dona Augusta, tantas vezes lotada de homens de chapéu e gravata, estacionamentos.

Larry desviou um tanto do caminho do consultório, parou o carro na Rua Silveiro e teve a certeza: naquele instante, uma parte da sua vida, da história do futebol gaúcho e da capital gaúcha começava a sumir para sempre, diante dos próprios olhos. 

Então, Larry, na época com 79 anos, emblema dos tempos de glória dos Eucaliptos, suspirou, guardou silêncio solene e disse: “Agora serão só minhas lembranças”.

Em 260 jogos pelo Internacional, Larry marcou 176 gols. Sete deles em quatro Gre-Nais, incluídos os quatro no 6 X 2 do torneio de inauguração do Olímpico. Juntos, ele e Bodinho somam 410 gols. Quase todos marcados no estádio que sumiu do mapa.

Era um tempo bem diferente de hoje, em que o clube tem ônibus super luxuoso. Antes, não, os jogadores iam a pé jogar fora de casa, no Força e Luz, na Baixada, na Montanha.

Uma curiosidade daquela época: não havia cama do tamanho de Salvador na concentração dos Eucaliptos, na verdade uma peça única forrada de paredes nuas com banheiro comum. As canelas ficavam de fora, o que deve ser incômodo.

O volante Salvador, era um negro gigantesco que vestiu a camisa 5 do Inter nos anos 50 e fez história no Peñarol e no River Plate. Também jogou no Cruzeiro, de São Gabriel (RS). Nas noites de calor, Salvador apanhava o lençol e o travesseiro e dormia no gramado, bem no círculo central. Era volante até dormindo.

Era comum moleques gremistas atazanarem a vida dos jogadores colorados, subidos em uma árvores atrás da goleira. O goleiro Milton Vergara trazia funda de casa para acertar esses moleques. Não havia agentes, assessores, empresários. Os torcedores convidavam os jogadores para um churrasco em casa e eles iam, com mulher e filhos.

Depois dos treinos, subiam todos para as cabines de imprensa, no ponto mais alto do estádio, e viam juntos os navios partindo do Guaíba. Larry dizia que ia ficar com saudade da sua primeira casa em Porto Alegre, mas se conformava lembrando que a história não se apaga.

Um dos filhos de Larry, o executivo Larry Pinto de Faria Junior, foi um dos sobreviventes do atentado de 11 de setembro de 2011 no World Trade Center, em Nova York, onde trabalhava. E diz não guardar traumas, mas afirma que o episódio o transformou em uma pessoa diferente.

"Ver a morte assim de perto muda a maneira de encarar a vida", disse Júnior à BBC Brasil, acrescentando que mudou sua filosofia de vida e suas. Passo a ser uma pessoa completamente tranquila e consciente das responsabilidades, procurando ser uma pessoa menos egoísta. (Pesquisa: Nilo Dias)

Larry Pinto de Farias. (Foto: Revista Colorada)