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sexta-feira, 14 de abril de 2017

Um contador de histórias

Valdemar Cavalcanti, ou simplesmente “Demazinho”, como é mais conhecido, faz parte do folclore esportivo de Petrolina, cidade do sertão pernambucano, onde mora desde 1957. Ele é baiano de Campo Formoso, distante 340 quilômetros de Salvador, onde nasceu em 3 de agosto de 1947.

Em terras pernambucanas ganhou o apelido de “Demazinho”, o que se explica em razão de sua baixa estatura. Chegou a tentar a carreira de jogador de futebol, mas não era a sua praia, por isso desistiu e resolveu enveredar por outros caminhos.

E foi por acaso que se tornou árbitro de futebol. Ele, que na época trabalhava como serralheiro, assistia a um treino do time local do Caiano Esporte Clube, quando o treinador Geraldo Melo o convidou para pegar o apito e dirigir o coletivo. E se deu bem na missão, sendo elogiado pelos dirigentes, jogadores e torcedores do clube.

Ele nem de longe imaginava que ali estava começando uma carreira, que teria a duração de 18 anos. O primeiro jogo que apitou foi em 1 de maio de 1966, no estádio da Associação Rural. Vale acrescentar que em toda sua carreira só apitou jogos de clubes amadores, nunca sendo árbitro em jogos profissionais, apenas bandeirinha.

Mas quando jogavam Caiano, América e Palmeiras, todos amadores, aí a coisa era com ele mesmo.

Nesses 18 anos apitando, e mais de 40 envolvido no futebol de Petrolina, “Demazinho” viu muita coisa e guardou na memória. Ele gosta de contar esses fatos aos amigos que diariamente o procuram em um banco de praça na cidade pernambucana.

E está sempre de bom humor. Até hoje frequenta o Estádio da Associação Rural, que agora tem nome, chama-se “Paulo de Souza Coelho”. Desde a fundação da praça esportiva, em 1961, que ele é visto sentado em uma das arquibancadas.

Por lá viu grandes jogos e observou verdadeiros craques em campo. Ouviu e contou histórias, algumas hilariantes, outras nem tanto, que até agora ainda são lembradas por ele. E garante que nos campos amadores de Petrolina passaram atletas que marcaram época no futebol local e com certeza poderiam jogar em qualquer time profissional.

Alguns eram melhores que certos renomados atletas da Seleção Brasileira. Ele cita o jogador Sinésio, que na sua visão era melhor que Zico. Com certeza, se tivesse tido oportunidade jogaria em qualquer seleção do mundo, não só do Brasil.

Por Petrolina passaram grandes clubes profissionais do futebol brasileiro, que por lá jogaram amistosos, e ele assistiu a todos. Casos de Botafogo, Atlético Mineiro, Bahia, os três times de Recife (Náutico, Sport e Santa Cruz).

Confessa que só não assistiu a jogos do Flamengo, do Rio de Janeiro, por que não gosta desse time. Tem verdadeira ojeriza pelas cores vermelha e preta. Isso se explica porque “Demazinho” é torcedor do Botafogo carioca.

Já em Petrolina ele diz que não torce por nenhuma equipe em especial, herança trazida desde os tempos em que era árbitro. Gostava de primar pela imparcialidade. E afirma que o seu coração tem espaço para todos os times da cidade.

Garante que quase sempre se deu bem nos jogos que apitou. As torcidas e os jogadores o respeitavam muito. Mas uma vez foi obrigado a chamar o policiamento para fazer cumprir a lei do jogo.

Ele expulsou de campo um jogador, e este, inconformado, disse que ia lhe dar uma surra. Nada mais restou ao árbitro que correr para o meio dos dois soldados que faziam a segurança do jogo. Mostrou o cartão vermelho e disse a ele:

“Dê agora. Venha bater em mim”, conta dando gostosas gargalhadas. O tempo passou célere e hoje “Demazinho” e o atleta que foi expulso são grandes amigos.

O jogo que lembra com entusiasmo aconteceu entre Caiano e Palmeiras, num sábado a tarde, que valia o título de campeão da cidade. Estava chovendo.

O Palmeiras fez 1 X 0 e as torcedoras “Maria Lampião” e “Socorro de Zé Bruno” foram lavar a sede do time para fazer a festa depois do jogo. Surpresa. Quando voltaram ao estádio, o Caiando estava ganhando por 7 X 1 e a festa foi para o espaço.

Outra história interessante é a do juiz que não sabia ver o tempo de jogo no relógio. Naquela época era costume riscar o relógio com um lápis, mostrando onde começava e onde terminava o tempo regulamentar. O fato aconteceu em 1977.

E teve um dia que choveu e apagou o risco. O problema, é que o juiz da partida não sabia ver a hora.  O jogo já estava em 50 minutos e ele sem parar. O jeito foi alguém entrar em capo para encerrar o primeiro tempo.

Além do problema com o relógio, o juiz do jogo passou por outra situação inusitada na mesma partida, como conta “Demazinho”.

Essa história foi publicada até por jornais dos Estados Unidos. No intervalo do jogo, ele teve uma dor de barriga terrível e ficou atrás do mato. E nada do jogo recomeçar. Aí ficou todo mundo procurando o juiz, que foi encontrado tempos depois levantando o calção. O árbitro trapalhão, cujo nome “Demazinho” não revelou, hoje vive em Recife.

Nem os narradores de futebol de Petrolina escapam da língua ferina de “Demazinho”. Ele conta muitas histórias vividas pelo locutor Herbert Mouze, que costumava dizer: “Rádio Juazeiro, a melhor do Atlântico”.

E a pergunta vinha rápida: “Onde é que Juazeiro tem Atlântico, aqui é o rio São Francisco”. E tinha também o repórter Antônio Avelar. Certa vez a torcida gritava “Vai na bola, Avelar”. Ele jogou o microfone no chão e saiu correndo atrás da bola.

Muito boa a historinha que envolve um torcedor do Palmeiras, chamado de “Luiz tá em todas”.  Quando o adversário de seu time fazia gol, ele passava para o outro lado da arquibancada para tomar umas e outras. Por isso o curioso apelido.

“Demazinho” não casou e não tem filhos, mora com uma irmã. Aposentado, garante ser um homem livre, que quase aos 70 anos viaja para onde quer e quando quer. Sua segunda casa é o estádio Paulo de Souza Coelho, local onde passa a maior parte de seu tempo.

Ele se mostra preocupado com o futuro do futebol amador de Petrolina, que não vive um bom momento. E apela às autoridades para que ajudem o esporte a voltar aos bons tempos da Associação Rural. (Pesquisa: Nilo Dias)